
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou que o Senado deu um “sinal na contramão” dos esforços climáticos globais ao aprovar benefícios fiscais para usinas termelétricas movidas a carvão às vésperas da COP30, em Belém (PA). Em entrevista ao jornal O Globo, Marina cobrou uma transição energética justa na conferência, classificou a votação como “um absurdo” e criticou a pressa dos parlamentares, que aprovaram o texto “em apenas seis minutos”:
O aval para a Petrobras procurar petróleo na Margem Equatorial não contradiz a promessa de liderar pelo exemplo?
Você dificilmente vai encontrar um país que não esteja vivendo desafios e contradições na transição energética. A França investiu muito em energia nuclear, e 60% de sua matriz energética é fóssil. A Europa passou a considerar o gás um combustível de transição. Foi importante o presidente Lula dizer, na cúpula de líderes, que precisamos acabar com a dependência dos combustíveis fósseis. Não basta querer sair da dependência, temos que criar as bases para isso. É preciso usar parte do lucro do petróleo para investir na transição energética. Investir em hidrogênio verde e energia eólica e solar. O Brasil está disposto a fazer isso pela justiça climática.
Tem lógica extrair mais petróleo para financiar o fim do petróleo?
Não é possível abandonar combustíveis fósseis por decreto, porque haveria um colapso energético global. O Brasil é o país com maior vantagem comparativa, por já ter matriz energética 45% limpa e matriz elétrica 90% limpa. O presidente tem dito que a Petrobras precisa deixar de ser uma empresa de exploração de petróleo e se transformar urgentemente numa empresa de produção de energia.
O Senado acaba de aprovar novos benefícios para termelétricas movidas a carvão mineral. Como avalia a decisão?
Foi um sinal na contramão dos esforços que precisam ser feitos. Todo o debate global é de acabar com os subsídios ineficientes à energia fóssil. Nem posso dizer que a votação foi açodada, porque ela só durou seis minutos. É um absurdo que algo com essa complexidade seja votado em seis minutos, às vésperas da realização do maior evento para o enfrentamento da mudança do clima. Fica muito difícil olhar o que aconteceu no Paraná (a passagem do tornado na sexta-feira, leia mais abaixo) e ver que nossos parlamentares, em vez de ajudar, estão trabalhando para agravar ainda mais o problema. É muito difícil. Isso não é contradição, é regressão. […]

Os lobbies que atuam no Congresso também vieram para a COP30. Como enfrentá-los?
Quem coloca em primeiro lugar o interesse público, a defesa da vida e a ética não pode trabalhar na lógica do lobby. Precisamos resolver um dos principais problemas que a humanidade já enfrentou: a possibilidade de destruir não apenas a nossa vida, mas as condições em que a vida nos foi dada. Esse é o imperativo ético que está por vir. Há negociadores, lideranças da sociedade civil e lideranças empresariais com compromisso com a ética pública. Uma empresa privada também deve ter interesse público. Afinal de contas, ela gera emprego e produz para suprir as necessidades de uma comunidade.
Como saberemos se a COP foi um sucesso ou um fracasso?
Para que seja um sucesso, temos que nos imbuir de um espírito de mutirão. Serão 198 países juntos para decidir, por consenso, como acelerar os esforços para que a elevação da temperatura da Terra não ultrapasse 1,5ºC. Precisamos criar um mapa para chegar ao fim do desmatamento e do uso de combustíveis fósseis. É difícil? É. Tem posições contrárias? Tem. Mas se em Dubai fomos capazes de aprovar as metas, por que não aprovar agora um mapa do caminho? […]
O boicote americano prejudica muito a COP30?
Os EUA são o país mais rico do mundo e o segundo maior emissor, depois da China. Isso é justo? Claro que não. Mas isso aumenta nossa responsabilidade e exige um esforço de liderança, cooperação e solidariedade ainda maior. O mapa do caminho é importante porque vai nos dizer como continuar navegando em mares mais revoltos, como agora.
Que resultados concretos espera da COP30?
Precisamos ajudar o mundo a atacar, de forma justa, as causas e os efeitos das mudanças climáticas. Atacar as causas significa sair da dependência do uso de combustível fóssil. Os efeitos, fazer o correto na agenda da adaptação. E precisamos atingir o US$ 1,3 trilhão que os especialistas dizem ser necessário para ajudar os países mais vulneráveis, que vivem os efeitos da mudança climática produzida globalmente.
É preciso que os recursos para a adaptação também sejam globais. Quem sofre com a enchente no Rio Grande do Sul, as secas na África ou as enchentes em Bangladesh não tem condição de resolver seus problemas localmente. Temos de ter clareza de que os eventos climáticos extremos têm como causa emissões que vêm dos EUA, da China, da União Europeia, de todos os lugares.