Coroação de Charles III: por que ainda exaltamos tronos e coroas? Por Adriano Viaro

Atualizado em 6 de maio de 2023 às 10:20
Rei Charles III sendo coroado. Foto: Reprodução

Mais do que colonial, nosso pensamento ainda conjuga o verbo adular quando se trata de reinos e monarquias. Temos um fetiche pela metrópole – não necessariamente nos mesmos moldes nem idiomas – a ponto de alguns acadêmicos ainda preferirem tratar o período 1500 – 1808 como América Portuguesa, ao invés de Brasil Colonial.

Construímos nosso ideal republicano eternizando nomes, signos e símbolos com a linguagem da realeza. Temos reis e rainhas para tudo: futebol, baixinhos, rock, samba, reggae, arte, teatro, etc. Até mesmo em situações em que a cultura de origem sempre foi de resistência, lá está a realeza: a Festa de Momo, com uma miríade de inversões sociais e políticas, tem o seu rei também. E o que falar de Palmares, que no seio da Capitania de Pernambuco teve Nganga Zumba e depois Zumbi? Ambos tratados pelo título de rei, embora combatessem as coroas representando a subversão ao jugo da Capitania.

Dito isso, é mister destacar que não é só a nossa linguagem escravizada que adota nomenclaturas em ritos de adulação às monarquias. Nossas ações também! Investigamos as vidas dos reis. Cumprimentamos com honrarias. Acompanhamos casamentos reais pela TV! O fetiche do “Novo Mundo” – que passa pela adoção da alcunha eurocêntrica – está também na preservação de nossa antiga Família Imperial, como se relevante fosse.

Para não dizer que não falei das flores, ano passado, no Bicentenário da Independência do Brasil, recebemos o coração de um antigo imperador conservado em formol. Pois bem, isso explica mais do que tudo: um país que proclamou a sua independência na contramão do mundo (o monarca se separou das Cortes para manter-se monarca entre os colonos), enquanto os países vizinhos sangravam em processos honestos e genuínos de libertação só pode ser um país que lambe botas de reis e rainhas. (Melhor do que isso só o namoro do Rei do Futebol com a Rainha dos Baixinhos).

E é exatamente isso que explica o louvor à coroação do príncipe-sem-sal britânico e sua consorte: meio a tudo o que há de mais genuíno, em se tratando de protocolos de convivência (seria conveniência?), podemos tranquilamente nos autoproclamarmos reis na arte de exaltar reinos e suas cortes.

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