Coronavírus, incompetência e esquema político de Flávio Bolsonaro: mistura que colocou hospital do Rio na UTI

Atualizado em 5 de maio de 2020 às 23:42
Flávio Bolsonaro. FOTO: PEDRO FRANÇA/AG. SENADO

Depois de uma queda de braço entre o Ministério da Saúde e a juíza da Carmen Silvia Lima Arruda, da 15a. Vara Federal do Rio de Janeiro, em torno do Hospital Federal de Bonsucesso, o governo Bolsonaro levou a melhor. Pelo menos temporariamente. E quem perdeu não foi a magistrada Carmem, mas a população do Estado fluminense.

É que o Bonsucesso, referência em várias complexidades médicas, se tornou praticamente um hospital fantasma depois que as autoridades do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro decidiram transformá-lo em referência para a Covid-19, sem que haja estrutura para esse tipo de atendimento.

Na última quinta-feira, a juíza havia dado prazo de 24 horas para o Ministério da Saúde trocar a direção do hospital, depois que foi informada de que o Bonsucesso tinha apenas 18 leitos ocupados por pacientes com Covid-19 e 17 pessoas internadas na emergência.

É muito pouco perto da capacidade do Bonsucesso, que oferecia 28 serviços especializados de média e alta complexidade, inclusive transplante de rins. E tem uma unidade reservado para a Covid-19 com capacidade para até 220 internações de pacientes em estado grave.

Nesta terça-feira, 5 de maio, julgando recurso da Advocacia Geral da União, o desembargador Marcelo Pereira da Silva, do Tribunal Regional da 2a. Região, tornou sem efeito a decisão da juíza.

“Por medida de cautela e até que seja possível proceder a uma análise mais acurada dos fatos narrados na inicial deste Agravo de Instrumento, determino a suspensão da audiência de conciliação designada para a data de hoje (05/05/2020), bem como das determinações objeto da decisão agravada, até que seja reapreciada a liminar, devendo ser imediatamente intimadas desta decisão todas as partes envolvidas, especialmente o MM. Juízo da 15ª Vara Federal do Rio de Janeiro.”

O desembargador fortaleceu a posição do governo Bolsonaro, representado pela Advocacia Geral da União, que, em síntese, considerava uma intromissão indevida do Judiciário na esfera do Poder Executivo. Um absurdo e cabe aqui a pergunta: Estaria o desembargador intimidado pelas declarações de Bolsonaro, dada no domingo passado, de que não aceitaria interferência do Judiciário?

Bolsonaro disse:

“Queremos a independência verdadeira dos três poderes e não apenas uma letra da Constituição, não queremos isso. Chega de interferência. Não vamos admitir mais interferência. Acabou a paciência. Vamos levar esse Brasil para frente.”

A decisão caiu como uma pedra sobre o ânimo dos profissionais de saúde do hospital, que há tempos alertam para o erro de gestão que foi reservar o hospital para o Covid-19.

Se o Judiciário não corrigir os erros do Executivo, com base na lei, quem o fará?

O Ministério da Saúde parece ter uma estrutura paralela no Rio de Janeiro, pois a reserva do Bonsucesso como referência para a Covid-19, em 16 de março, contrariou a diretriz do então titular da pasta, Luiz Henrique Mandetta.

“O que a gente tem recomendado lá no Rio de Janeiro e colocado para a secretaria é que esses hospitais (federais) possam estar funcionando para milhares de pessoas que terão necessidade hospitalar, mas de doenças que não sejam ligadas ao coronavírus”, declarou, no início de abril.

A explicação dele é que os funcionários do Bonsucesso tem uma idade média bastante elevada, em razão da falta de concursos públicos e de um plano de carreira que proporcione a aposentadoria em condições adequadas.

Profissionais mais velhos estão no grupo de risco da pandemia. Ali, cinco funcionários já morreram com a doença e muitos outros estão afastados.

As palavras do então ministro são muito parecidas com as que foram ditas em vídeo divulgado pela servidora Tatiana Martins, que representava os trabalhadores junto à administração do hospital. Ela foi afastada do hospital depois dos embates com a diretoria.

Tatiana acusou o diretor de Programas do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro, Marcelo Lamberti, de irresponsabilidade.

“Ele ofereceu o hospital para o tratamento da Covid-19. Fechou todos os serviços de alta complexidade daquela unidade, abandonou à própria sorte os pacientes crônicos, os pacientes graves que tinham aquele hospital como referência e expôs os profissionais à Covid-19, a transmissão dentro do hospital está muito acelerada. Temos cinco óbitos de profissionais, e ele prometeu à sociedade de 170 a 220 leitos, e hoje temos cerca de 30 leitos ocupados e para dar conta conta da ocupação desses leitos os profissionais estão tendo muita dificuldade, porque temos um número grande de profissionais infectados, afastados, muitos profissionais no grupo de risco, e o Hospital Federal de Bonsucesso, neste momento, está muito pior que antes”, afirmou.

Se a gestão de Marcelo Lamberti contrariou diretriz do seu superior hierárquico, Mandetta, desagrada os funcionários e levou a juíza da 15a. Vara Federal do Rio de Janeiro a tomar uma medida drástica, por que ele continua no posto?

A resposta pode ser encontrada na agenda do então ministro da Saúde em 28 de maio do ano passado. Nesse dia, às 18h30, Luiz Henrique Mandetta recebeu Marcelo Lamberti em audiência em Brasília. Lamberti, que era diretor do Departamento de Gestão Hospitalar, não estava sozinho. Quem o acompanhava era Flávio Bolsonaro, que tem a influência de senador, mas muito mais a de filho de Jair Bolsonaro.

Lamberti ocupava um cargo que não tinha ingerência sobre a política global do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro, função que ele tinha exercido até ser removido por Mandetta.

Seis dias depois da audiência com Mandetta e Flávio Bolsonaro, no entanto, Marcelo Lamberti mudou de cargo e recuperou as antigas funções. Hoje, ele dá as cartas no Rio de Janeiro, com tanto poder que, enquanto o ministro dizia uma coisa em público, ele fazia outra, completamente oposta.

A agenda de Mandetta: protegido de Flávio Bolsonaro manda na Saúde federal do Rio

Dez meses depois de se tornar o manda-chuva no Rio, estourou a crise do coronavírus e o protegido de Flávio Bolsonaro foi colocado à prova e mostrou incapacidade para gerir um sistema complexo como é o da saúde no Rio de Janeiro.

Ou talvez não seja apenas incompetência, mas o exercício de uma política que atenda ao interesse de alguém ou algum grupo — em especial nas compras com ou sem licitação.

O Rio de Janeiro está sofrendo, com a Covid-19 e o vírus da política bolsonarista. Por sua vez, sem recursos adequados, os profissionais de saúde que trabalham na emergência do hospital, fazem o que é possível, e iniciam o plantão rezando. Veja o vídeo:

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O Diário do Centro do Mundo está aberto a manifestações de todas as pessoas citadas nesta reportagem.