
A Alemanha já tem mais de 8 mil casos do coronavírus, mas já aconselha o repatriamento de seus cidadãos no mundo, inclusive no Brasil. Em entrevista ao DCM, o embaixador alemão Georg Witschel relata os preparativos. O movimento de cidadãos tem sido intenso nos consulados no Brasil.
Perguntado sobre a conduta anti-sanitária do presidente brasileiro na última manifestação pró-ditadura, Witschel considera apenas a recomendação do ministro da Saúde, que “vale para todos, todos, todos”, frisa: evitar contatos físicos.
Nesta conversa, o diplomata também aborda as estratégias da Alemanha para combater o terrorismo de extrema direita e os recorrentes esclarecimentos que tem de fazer para as distorções feitas pelo governo brasileiro sobre a história do nazismo.
No meio ambiente, as doações alemãs ao Fundo Amazônia seguem suspensas. “A bola está no campo do governo do Brasil”.
DCM: Estamos em um contexto extremamente delicado a nível mundial. O governo alemão tem buscado coordenar esforços para conter a crise do coronavírus no território alemão. Os cidadãos alemães têm buscado a embaixada no Brasil para retornar à Alemanha?
Georg Witschel: Sim. Temos cidadãos alemães que estão buscando sobretudo os consulados gerais, em São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Porto Alegre. Por enquanto, temos voos comerciais, com a Lufthansa, em várias cidades, sobretudo São Paulo. Então estamos informando nossos cidadãos, atualizando nosso website e a partir de amanhã esperamos comunicar informações pelo Facebook.
Uma informação importante: a União Europeia só permite a entrada de cidadãos da União Europeia no espaço Schengen e do Reino Unido. Por enquanto os aeroportos estão abertos e as linhas comerciais estão voando. Essa é a informação que estamos veiculando no site, Facebook, Instagram e por telefone.
Transmitimos em todos esses meios a mesma mensagem: o governo federal (da Alemanha) solicita a todos os cidadãos alemães que não façam viagens dentro da Alemanha e nem para fora. O governo aconselha a todos os cidadãos fora da Alemanha a voltar para a Alemanha. Tem alguns cruzeiros, um em Recife, com alguns cidadãos alemães a bordo.
Nós temos uma informação do governo brasileiro, não é somente uma fonte secundária, que cruzeiros e outros barcos turísticos não recebem a permissão de atracar no Brasil. Tem muitos cruzeiros em Manaus, mas lá um voo já está organizado.
DCM: Existe uma estimativa de quantos cidadãos alemães têm buscado consulados e a embaixada?
Não. São muitos, mas ainda podemos manejar, não é dramático.
DCM: Eles estão buscando as representações diplomáticas alemãs porque se sentem mais seguros na Alemanha para um eventual tratamento para o coronavírus ou porque se sentiriam menos seguros com o sistema de saúde brasileiro?
Não sabemos o porquê. A pergunta é: como posso voltar para a Alemanha? Ou “é possível voltar para a Alemanha?” Eles não falam da razão, mas perguntam se podem entrar na Alemanha. “Posso voar?”, recomendamos a reserva de um voo no site da companhia.
DCM: As medidas sanitárias adotadas pelo governo brasileiro são reconfortantes, como por exemplo quando Jair Bolsonaro em quarentena cumprimentou pessoas aglomeradas com as mãos?
Eu não vou comentar os atos do senhor presidente. O que eu gostaria de destacar é o que o ministro da Saúde Mandetta disse: que a obrigação de evitar o contato não necessário vale para todos, todos, todos, inclusive o corpo diplomático alemão aqui no país.
DCM: Qual é o protocolo de medidas que vocês estão adotando na Embaixada alemã ?
Estamos reduzindo a presença nos nossos escritórios. Nessa semana, ainda é mais ou menos normal. Alguns colegas que voltaram (do exterior) na última semana estão em quarentena doméstica, trabalhando de casa.
A partir da próxima semana, vamos fazer um rodízio: metade da equipe trabalha de casa, metade no escritório. A instrução do Ministério das Relações Exteriores é que as famílias dos funcionários podem voltar à Alemanha se quiserem. Eles têm tempo para considerar.
DCM: O terrorismo de extrema direita promoveu mais de três ataques de um ano para cá na Alemanha. Quais as principais estratégias mobilizadas pelo governo alemão para conter essa onda de violência?
Terríveis esses atentados e todas essas mortes. Temos um desafio maior. Por isso a Alemanha adotou uma ampla gama de atos de medidas na área da lei e, sobretudo, política, polícia e, dentro da sociedade, atuar contra o radicalismo.
Isso inclui reforçar nossas instituições de segurança, inteligência, policial, por um lado. E dar a essas instituições de segurança competências mais amplas para conter atos de radicalismo e sobretudo terrorismo.
Também estamos trabalhando junto à União Europeia e outros parceiros estrangeiros em programas de prevenção.
Temos um pacote de leis a fim de combater o extremismo de direita e os crimes de ódio de modo mais intensivo e efetivo. Essa lei foi adotada no dia 19 de fevereiro e deve ser adotada em uma questão de tempo pelo congresso. O governo quer obrigar as grandes redes sociais a informar um escritório da polícia criminal federal sobre conteúdos criminosos.
Antigamente, só existia a obrigação de travar ou eliminar (o conteúdo). Agora, eles têm a obrigação de informar a polícia sobre conteúdos criminosos. A obrigação de travar e deletar esse tipo de conteúdo continua, mas não é suficiente.
DCM: Em menos de um ano, o Exército brasileiro homenageou um soldado alemão condecorado por Hitler, um Secretário de Cultura brasileiro copiou um discurso nazista com a música preferida de Hitler ao fundo e mais recente a Embaixada alemã se viu na necessidade de desmentir declaração do presidente Bolsonaro, que havia dito que o nazismo foi um movimento de esquerda. Como é para um diplomata ver uma história traumática de seu país ser distorcida dessa maneira?
É muito simples. O nazismo foi o nacional-socialismo foi um movimento da extrema direita. Eu expliquei isso: há um consenso entre todos os historiadores sérios; no nazismo havia nos anos 1920 alguns tipos de (ideias) para desapropriação dos ricos, mas tudo isso foi exterminado no final dos anos 1920 e início dos anos 1930.
Nos anos 1933 e 1934, todos os líderes que talvez tiveram alguma simpatia, alguma ideia de esquerda, foram assassinados. Então é absolutamente claro que o nazismo é um movimento da extrema direita.
DCM: Isso o senhor esclareceu muito bem, mas a minha pergunta é: para o senhor, enquanto diplomata alemão no Brasil, como é ver uma história traumática do seu país ser distorcida dessa maneira para fins políticos?
Tem pessoas que sabem, tem outras que não sabem nada. Tem pessoas que não querem saber nada. Mas tudo isso é o mercado livre de opinião. Só que na Alemanha a negação do Holocausto é crime.
DCM: Cada vez mais consideráveis os setores da sociedade alemã exigem de seu governo políticas ambiciosas mais ambiciosas. De que maneira o contexto econômico produzido em meio ao coronavírus deverá interferir nesse sentido?
É cedo demais para avaliar o impacto do coronavírus na nossa economia, nas nossas sociedades, no comércio global e também nas diferentes políticas. O que eu pessoalmente tenho certeza é que o governo alemão vai continuar uma luta contra as mudanças climáticas e em prol do meio ambiente.
Temos várias dificuldades. Mas não tenho dúvidas que nacionalmente e internacionalmente nosso governo vai continuar a luta contra as mudanças climáticas. No final do dia, os (dados) do coronavírus é muito ruim. Mas daqui a alguns meses, espero, a crise será superada.
Mudanças climáticas? Falamos sobre uma luta bem abrangente e um prazo muito mais amplo. Por isso não dá para trocar a questão as consequências do coronavírus e a luta contra as mudanças climáticas. O único impacto, eu posso prever é que, com uma recessão mundial, a arrecadação dos governos será impactada de uma maneira negativa.
Vamos ver se teremos o mesmo valor para os nossos programas. Mas acho que é uma prioridade que não vai sumir devido ao coronavírus.
DCM: Em dezembro passado, a Embaixada alemã desmentiu declaração do ministro do Meio Ambiente brasileiro Ricardo Salles de que havia aceitado retomar as doações ao Fundo Amazônia. Desde então, qual tem sido a avaliação do governo alemão em relação à sua participação no Fundo Amazônia?
Claro que, tanto a Alemanha quanto a Noruega, gostaríamos de continuar trabalhando no Fundo Amazônia, mas a bola está no campo do governo do Brasil. Por enquanto está simplesmente congelado.
Nem o governo da Noruega nem nós estamos prontos para pagar mais ou de continuar com novos projetos se o governo brasileiro não fizer… Estamos prontos para continuar se o Fundo puder retomar as atividades e se uma base de confiança mútua for restabelecida. A Alemanha coopera com dois estados da Amazônia legal.