
Por Luis Felipe Miguel, publicado em seu Facebook
O sequestro do 8 de março pelas corporações é antigo. Um dia de luta que fazem de tudo para resumir a flores entregues às consumidoras no shopping. Se possível, uma ocasião para vender cosméticos, perfumes e roupas – quando não panelas e outros utensílios de cozinha.
Talvez um processo semelhante esteja começando a se verificar com o dia da consciência negra. Não, decerto, para se tornar uma data de consumo. Mas como uma “celebração”, quanto mais despolitizada melhor, da contribuição africana à cultura brasileira, com só uma pitada de antirracismo de fachada.
Que dizer da “Virada da Consciência Negra”, em São Paulo, anunciada por aí? Um “Valeu Zumbi!” patrocinado por Coca-Cola, Bradesco, Rede Globo… O “patrocinador master” é simplesmente o Carrefour, talvez hoje o maior símbolo de violência racista corporativa no Brasil. Só faltava a PM se juntar à iniciativa.
O racismo do Carrefour, aliás, é uma política global.
No Brasil, tenta esconder – criando um “comitê de diversidade e inclusão”, com nomes do porte de Sílvio Almeida e Celso Athayde, como fez em 2020 após o assassinato em sua loja gaúcha, ou patrocinando a “consciência negra”, como agora.
Já na Palestina, a empresa nem se preocupa em fingir que não é uma grande associada e entusiasta do genocídio cometido pelos israelenses.
O evento é, claramente, um esforço de limpeza de imagem, financiado por dinheiro público via lei de incentivo à cultura.

Mesmo que as empresas de fato bancassem a tal “virada”, o montante é certamente muito menor do que vão dispender para fazer lobby contra o fim da escala 6×1.
O racismo moderno, convém lembrar, emerge junto com o capitalismo. Certamente é possível identificar a presença de formas de racismo em outras formações sociais, mas sua manifestação moderna – o “racismo científico” – depende de dois fatores.
(1) A afirmação da biologia como disciplina científica gera o instrumental capaz de identificar as supostas diferenças naturais entre grupos humanos.
(2) O pensamento liberal, que estabelece uma igualdade abstrata entre todas as pessoas, torna necessário justificar as desigualdades em termos de características inatas dos indivíduos.
Além disso, o racismo contra a população negra é indissociável do fenômeno da escravidão moderna – aquela que se caracteriza pela exploração da mão de obra escrava com vistas à produção em larga escala para o mercado mundial e que tem como forma típica a plantation colonial.
Sua centralidade na formação do capitalismo já era assinalada por Marx, que escreveu: “A escravidão direta é o eixo da indústria burguesa, assim como as máquinas, o crédito etc. Sem a escravidão, não teríamos o algodão; sem o algodão, não teríamos a indústria moderna”.
A estigmatização racial dos africanos é indissociável da necessidade de legitimação ideológica para o trabalho escravo.
Na descrição direta do historiador (e depois primeiro-ministro de Trinidad e Tobago) Eric Williams, a escravidão dá “uma feição racial ao que é basicamente um fenômeno econômico. A escravidão não nasceu do racismo: pelo contrário, o racismo foi consequência da escravidão”.
Sendo assim, a luta contra o racismo integra necessariamente a luta contra o capitalismo. Separá-las é adotar um antirracismo fake, destinado a limpar a cara de grandes empresas que não se furtam a adotar taxas de exploração tanto maiores quanto mais escura é a cor da pele de seus trabalhadores.
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