Corpos nas ruas e nas casas, urubus entre mortos: o Equador pode ser o Brasil amanhã. Por Murilo Matias

Atualizado em 2 de abril de 2020 às 13:43
Urubus na Puente del Velero, Guayaquil

POR MURILO MATIAS

Para os próximos dias são esperadas quase três mil mortes na cidade que já convive com cadáveres nas ruas, desabastecimento e o medo do caos absoluto

Quando a chegada do Covid-19 começava a preocupar a América Latina o Equador foi o onde o alerta acendeu com mais força ao registrar os maiores números de disseminação em meados de março entre os países da região. Um mês depois a crise detonou em Guayaquil situações de absoluto descontrole com a impressionante queima de corpos nas ruas da cidade e o colapso do sistema de saúde e funerário.

“Guayas é a Lombardia da América Latina. Hospitais colapsados, com dezenas de cadáveres no chão, pessoas com defuntos em suas casa por até cinco dias esperando que o governo retire o cadáver para proceder ao enterro. Alguns corpos foram deixados ou queimados nas ruas. De acordo com um porta voz do governo são esperadas entre 2.500 e 3000 em Guayaquil mortes devido ao coronavírus”, afirma o deputado Héctor Yepes comparando a situação com a localidade mais afetada da Itália, com picos próximos de mil mortes ao dia.

Os números reconhecidos pelo governo apontando 98 mortos em todo o território  não convencem quando confrontados com a realidade de hospitais superlotados, funerárias sobrecarregas e solicitações não atendidas – num intervalo de 24 horas a Polícia registrou chamadas para retirar-se 450 cadáveres de dentro de lares somente em Guayaquil, a cidade mais populosa do país.

“Até poucos dias havia um cerco midiático enorme, mas os meios começam a dizer a verdade e contestam as cifras oficiais. Já não há como esconder, todos temos conhecidos  ou familiares de amigos que faleceram. Vivemos em constante estado de angústia e medo. Se fecharam as fronteiras da cidade, já há desabastecimento de frutas e verduras, me dá terror cada vez que preciso ir ao mercado. Estamos abandonados”, conta a advogada Maria Cecilia Herrera.

O toque de recolher encolhido para às 14h a nível local deixa as ruas vazias de pessoas enquanto circulam fotos de urubus em áreas nas quais haveria o descarte de corpos.

“O local de uma dessas fotos que percorrem o país e o mundo fica a duas quadras de minha casa, se chama Puente del Velero. Circularam imagens de outros também, com essas aves sobrevoando hospitais devido ao cheiro ocasionado por tantas mortes”, complementa Maria.

A avaliação de que o governo reacionou tarde para conter o vírus extrapola a pressão das redes sociais com #SOS Guayaquil e ameaça a instabilidade social diante das também frágeis medidas tomadas no campo econômico.

O bônus de 60 dólares a 400 mil famílias cadastradas ao sistema de seguridade, a nível nacional, deixa de fora enorme contingente da população, incluindo a maioria dos informais, seis em cada dez trabalhadores do país, além dos desempregados.

Cobrado pelas políticas neoliberais adotadas ao largo de sua gestão, incluindo o arrocho e demissões no setor da saúde, Lenín Moreno usa as redes sociais para tentar mostrar as ações empreendidas. “Reforçamos a atenção pela Covid19 em Guayaquil. O Hospital Monte Sinaí será exclusivo para casos confirmados. Terá mais de 130 camas e 37 unidades de cuidados intensivos. O pessoal médico contará com todos os insumos para garantir sua bioseguridade enquanto salva vidas”, tuitou em 31 de março.

A insegurança em relação à atuação do aparato estatal entretanto aumenta à medida em que as mortes avançam ao passo que faltam testes, materiais de segurança, afora a iminência de uma crise alimentar nas periferias urbanas e em comunidades indígenas e do interior.

A renúncia da então ministra da saúde,Catalina Andramuño, em 21 de março, alegando falta de financiamento estatal como uma das razões fundamentais para sua saída foi sintomática ao expor a errática postura que aflige grande parcela dos equatorianos.

“O governo não diz a verdade aos 16 milhões de cidadãos. Queremos o direito à vida de nós mesmos, de nossos pais e avós e não enterros dignos como fala esse presidente”, indigna-se o o estudante Diego Farfán Alvárez, da capital Quito referindo-se ao plano governamental de construção de um “campo santo” para enterros coletivos das vítimas da pandemia.