Corregedoria conclui que PMs agiram em “legítima defesa” no massacre de Paraisópolis. Por Arthur Stabile

Atualizado em 8 de fevereiro de 2020 às 12:08

Ato realizado em 4 de dezembro de 2019 em frente ao Palácio do Governo de SP repudiou ação da PM na favela | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

PUBLICADO ORIGINALMENTE NA PONTE

Investigação feita pela Corregedoria da PM de São Paulo concluiu que os 31 policiais militares não cometeram irregularidades em ação feita no dia 1º de dezembro de 2019, no baile da DZ7, em Paraisópolis, zona sul da capital paulista. Na oportunidade, nove jovens morreram pisoteados em consequência da ação.

Segundo apurado pela reportagem, o órgão interno da polícia considerou na apuração que os policiais agiram em legítima defesa ao dispersar com bombas o baile funk que tinha público de aproximadamente 5 mil pessoas, segundo relato de quem estava no local. Assim, não teriam feito uma ação de dispersão “improvisada e desastrosa”, como criticado pela Ouvidoria da Polícia na época.

Um pessoa que teve acesso ao documento, o qual tem mais de 1,6 mil páginas, confirmou a conclusão do inquérito, que foi encaminhado para análise do Ministério Público paulista. Caso o órgão identifique que há lacunas, poderá pedir a busca de novas provas. A Ponte questionou o MP sobre o documento, mas não obteve resposta.

A explicação do massacre dada pela Secretaria da Segurança Pública envolvia uma perseguição à motocicleta que furou bloqueio da PM. Em perseguição, dois suspeitos que atiraram nos policiais entraram no baile, o que deu início à ação da polícia e terminou com os nove mortos por pisoteamento.

Maria Cristina Quirino, mãe de Denys Henrique Quirino, morto aos 16 anos no massacre, se diz “transtornada” com a notícia. “Aumenta a nossa dor. Acreditava que a Corregedoria ia entender que a ação deles não foi a correta. Se não fosse a ação naquela situação, nove pessoas não teriam morrido, incluindo meu filho”, lamentou.

A mãe diz que perdeu a admiração e confiança que tinha na PM com a morte de seu filho e, agora, também perdeu a que tinha na Corregedoria. “Eu sei que eles vão defender o lado deles. Eles têm que entender que o lado deles também erra, também é falho. Todo ser humano é falho. Como se fala que é uma ação legal, que é legitima defesa? Se eles agiram em legítima defesa, como meu filho se defendeu?”, completou.

Segundo a mãe, sua última esperança de alento com a morte de Denys Henrique está no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa, órgão da Polícia Civil que também investiga o crime. “Tiram nosso chão, o mínimo que esperava era conscientização, de admitir que existiu erro. A vida do meu filho ninguém vai devolver. Justiça eu já não acreditava, mesmo”, admitiu.

Maria (centro) cobra ajuda da população de Paraisópolis em 8 de dezembro | Foto: Arthur Stabile/Ponte

Em consequência ao massacre, o governador João Doria (PSDB) havia prometido criar uma comissão externa para acompanhar as investigações, conforme dito em reunião com as famílias e representantes da comunidade. Passados dois meses, parentes, moradores e o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana denunciam que Doria descumpriu com a palavra.

A Unidão dos Moradores de Paraisópolis divulgou nota criticando o resultado da apuração da Corregedoria. “A pergunta que se faz é: como, diante de todas as imagens disponíveis daquela noite, o resultado do inquérito foi pelo arquivamento do caso? Os policiais assumiram o risco e devem responder por isso”, apontou Gilson Rodrigues, presidente da União.

Para o presidente, o resultado aumenta o “sentimento de injustiça e de impunidade”. “No dia em que Paraisópolis enterra três jovens, que foram mortos após serem retirados de suas casas por homens encapuzados, a Corregedoria da PM arquiva a investigação contra os policiais que conduziram uma operação desastrosa durante o Baile da 17”, afirmou, citando o sequestro e morte de jovens, ocorrido em Paraisópolis na quinta-feira (6/2).

Segundo o advogado Ariel de Castro, integrante do Condepe, a avaliação da Corregedoria em classificar a ação em Paraisópolis de lícita é “lamentável”. “Pode gerar uma verdadeira ‘licença para matar’, legitimando novas ações violentas e desastrosas de policiais em bailes que reúnem centenas e milhares de adolescentes nas periferias”, avaliou.

Ponte questionou a Secretaria da Segurança Pública, liderada nesta gestão de Doria pelo general João Camilo Pires de Campos, sobre a conclusão do inquérito na Corregedoria da PM. De acordo com a pasta, o inquérito policial segue em sigilo “conforme o Código de Processo Militar”.

“O documento foi encaminhado à Justiça Militar Estadual que oferecerá à apreciação do Ministério Público Estadual. O inquérito instaurado pela Polícia Civil segue em andamento no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa”, explicou a pasta, por meio de sua assessoria de imprensa terceirizada, a InPress.