
O ex-magistrado Sergio Moro não apenas ordenou grampos ilegais e gravou ilicitamente conversas de autoridades como o presidente do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), que não poderiam ser investigadas por ele, então um juiz de primeira instância. Ele também praticou outros atos considerados fraudes processsuais, tais como:
– Produção de documentos falsos de identificação no Brasil (CPF e RG) para policiais dos EUA forjarem provas contra um cidadão brasileiro processado naquele país.
– Envio de uma delegada da Polícia Federal (Erika Marena) para os Estados Unidos a fim de participar de um flagrante falso contra brasileiros, em operação de um órgão de polícia dos EUA.
– Envio aos EUA de dados e documentos sigilosos da Justiça para serem utilizados contra nacionais brasileiros em processos judiciais naquele país.
Tudo isso antes de iniciar sua atuação como chefe informal e ilegal da força-tarefa Operação Lava Jato, do Ministério Público Federal no Paraná (MPF-PR).
O portal UOL noticia nesta quarta-feira (17) que o ex-juiz Sergio Moro, no ano de 2005, antes da Operação Lava Jato e já atuando na 13ª Vara Penal Federal de Curitiba, ordenou que o então delator e ex-deputado estadual Tony Garcia utilizasse uma escuta em encontros com o então presidente do TCE-PR, Heinz Herwig.
Fez mais: não contente com o conteúdo da conversa grampeada em um primeiro encontro, mandou o delator marcar nova entrevista com a autoridade paranaense, a fim de produzir “conteúdo satisfatório” à acusação que era ofertada pelo MPF-PR.
Há um acúmulo de ilegalidades, portanto: o grampo a uma autoridade que estava fora da alçada de Sergio Moro, então um juiz de primeira instância, e a manipulação de um delator do MPF, com ordens e tarefas, feita pelo próprio juiz do caso, que assume as vezes de chefe da acusação e da polícia.
Na tarde desta quarta-feira, a mídia comercial repercute sem alarde e grandes chamadas de capa o furo jornalístico do UOL. Não é a primeira vez que acontece assim. Desde o ano de 2017, tanto o portal UOL quanto o DCM e outros órgãos da imprensa independente já trouxeram revelações ancoradas em provas e documentos sobre outros ilícitos que Sergio Moro colecionou ao longo de sua carreira como juiz, antes de repetir o mesmo modus operandi ao longo de toda a Operação Lava Jato.
1 – Envio de delegada da PF para os EUA para forjar flagrante ilegal em cidadão brasileiro

Em 2007, a então delegada federal Érika Marena foi enviada por Sergio Moro e participou de uma ação in loco nos Estados Unidos para prender um cidadão brasileiro por meio de um flagrante forjado, mostrou reportagem do DCM de fevereiro de 2021.
O expediente do flagrante forjado consiste em criar uma situação fantasiosa para induzir um suspeito a tentar cometer um crime, efetuando sua prisão logo em seguida. Permitido nos EUA, esta manobra policial é expressamente proibida pela lei brasileira (leia mais abaixo).
Apesar disso, foi autorizada integralmente por Sergio Moro, que não apenas enviou a delegada Érika Marena ao exterior para auxiliar na operação como também, para viabilizar o plano norte-americano, determinou que fossem criados nomes, números de CPF e uma conta bancária falsa no Brasil, para onde foram destinados depósitos ilegais de R$ 100 mil.
Veja os documentos da fraude e leia mais aqui.
2 – Moro mandou autoridades brasileiras produzirem documentos e conta bancária falsos para policial norte-americano

O valor de R$ 100 mil foi, então, sacado, com autorização de Moro, pelo delegado federal Algacir Mikalovski, que teria a incumbência de entregar o valor às autoridades norte-americanas. Mikalovski é o mesmo delegado que, depois, defendeu Jair Bolsonaro em suas redes sociais e que pediu que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fosse transferido para um presídio militar.
Sergio Moro conduziu a maioria dos passos da operação feita em conjunto com os norte-americanos sem antes consultar o Ministério Público Federal na maioria das diligências efetuadas. O órgão é, por lei, quem deve fiscalizar e trabalhar em conjunto com a autoridade policial em ações deste tipo. Apesar disso, o procurador federal que respondia pelo caso em nome do MPF não fez qualquer reclamação.
Seu nome: Deltan Dallagnol.
Assim, se constata que figuras que vieram a ocupar postos chaves na Operação Lava Jato já atuavam conjuntamente e em parceria com autoridades norte-americanas desde, pelo menos, sete anos antes da criação da força-tarefa do MPF-PR, ilegal e informalmente chefiada pelo então juiz Moro.
Tudo isso foi publicado com todos os documentos comprobatórios pelo jornalista Gustavo Aranda, em junho de 2017, no site Jornalistas Livres. Veja todos os documentos da fraude e leia mais aqui.
3 – Moro vazou e enviou a autoridades dos EUA documentos e informações sigilosas de cidadão brasileiro

No âmbito da mesma operação da polícia dos EUA, que foi ilegalmente coordenada no Brasil pelo então ex-juiz federal e atual senador, Sergio Moro ordenou o envio de dados sigilosos de um cidadão brasileiro a autoridades policiais norte-americanas que o investigavam e estavam preparando um flagrante forjado.
No dia 14 de março de 2007, a Embaixada dos EUA enviou à Superintendência da Polícia Federal no Paraná um pedido de operação conjunta para investigar suposto crime de remessa ilegal de dinheiro de lá para o Brasil. No dia 17 de maio do mesmo ano, a PF no Paraná solicitou autorização judicial para executar no país operação envolvendo agentes estrangeiros infiltrados e possível produção controlada de documentos falsos.
Conforme revelam os autos do processo a que os Jornalistas Livres tiveram acesso, coube ao juiz Moro, então titular da 2ª Vara Federal de Curitiba, apreciar o pedido policial. A solicitação chegou em seu gabinete no dia 18 de maio de 2007, uma sexta-feira. Ele a deferiu integralmente na segunda-feira seguinte, dia 21, sem antes submetê-la à análise do Ministério Público Federal, como manda a lei.
Quer dizer: em uma sexta-feira, o magistrado paranaense tomou conhecimento de toda a conversação e do trabalho de dois meses realizado pelas polícias dos dois países, da investigação em curso e da operação solicitada, e já na segunda seguinte foi capaz de deferir integralmente os pedidos, que incluíam “a abertura de contas correntes no Brasil em nome de agentes disfarçados e de identidades a serem criadas”.
Para justificar o deferimento, o juiz do Paraná fez uso de jurisprudência (decisões judiciais anteriores sobre casos semelhantes) da Justiça dos EUA, uma vez que tais operações não são recepcionadas pela lei brasileira:
“(…) Como já decidiu a Suprema Corte norte-americana em casos como Lopez v. USA, 373 US 427, 1963, e Hoffa v. USA, 385 US 293, 1966, o devido processo legal não protege a crença equivocada de um criminoso de que a pessoa para a qual ele voluntariamente revela seus crimes não irá, por sua vez, revelá-los às autoridades públicas. O que não é viável através de diligência da espécie é incentivar a prática de crimes. Agentes disfarçados extravasam os limites de sua atuação legítima quando induzem terceiros à prática de crimes.”
“Não é este, porém, o caso quando o agente disfarçado age apenas para revelar um esquema criminoso pré-existente, ainda que possa, para que o disfarce seja bem sucedido, contribuir para a realização do crime. ‘Entrapment’ ou armadilha só existe e é ilegítima quando inexiste um prévio esquema ou predisposição criminosa (cf. jurisprudência da Suprema Corte norte-americana, v.g. Sorrel v. USA, de 1932, e, a ‘contrario sensu’, da Corte Européia de Direitos Humanos, v.g. Teixeira de Castro v. Portugal, de 1998).”
“Repetindo a Suprema Corte norte-americana no caso Sherman v. USA, de 1958, trata-se de ‘traçar uma linha entre a armadilha para um inocente incauto e a armadilha para um criminoso incauto’”.