CPI erra ao naturalizar as mentiras e barbaridades de Osmar Terra. Por Tiago Barbosa

Atualizado em 22 de junho de 2021 às 16:28
Osmar Terra na CPI da Covid. Foto: Flickr/Senado

A CPI da Pandemia padece de uma patologia aparentemente incurável no Brasil abatido pela Covid-19: a covardia dos homens públicos.

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Senadores encarregados pelo confronto das mentiras adotadas por Jair Bolsonaro como base para matar brasileiros não se comportam à altura da gravidade do genocídio de 500 mil pessoas.

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O clima de camaradagem, as lisonjas, as risadas e a tibieza contradizem e minimizam a seriedade relativa ao extermínio de cidadãos sob a negligência consciente de um Estado fascista.

A postura incompatível com as atrocidades denota a absoluta incompreensão sobre o papel histórico da comissão de expor as vísceras de uma gestão assassina e descortinar a arquitetura narrativa sob a qual ela se constrói e alimenta.

O consumo de remédios falsos, a repulsa às máscaras, o repúdio ao isolamento, a rejeição às vacinas – pilares da carnificina no Brasil – só vingaram porque se valeram de uma rede subterrânea de difusão de mentiras sem espaço à contestação.

A legitimidade das mentiras distribuídas pelo sistema bolsonarista se ancora justamente na blindagem dos mentores à verdade e no volume de dados falsos nunca contrapostos nas correntes de aplicativos de mensagem.

E essa é parte da missão da CPI – apontar as mentiras à luz da ciência e tachar de canalhas, cínicos, fraudulentos, perigosos e assassinos tanto os relatos enganosos quanto os autores.

O deputado Osmar Terra é personagem central na engrenagem mortífera do governo Bolsonaro e merecia um tratamento correspondente aos crimes por ele praticados.

É apontado como conselheiro do presidente na desinformação sobre a pandemia e sentava ao lado dele no gabinete da morte montado para desacreditar a ciência e fazer lobby por medicamentos ineficazes e perigosos à saúde.

Desmascarar o discurso, as mentiras, os dados e o método usado pelo deputado – assim como por outras figuras nefastas na órbita do bolsonarismo – é um dever público da CPI.

E isso requer firmeza na ações, assertividade no interrogatório e intransigência com a verdade, a ciência e a vida.

A comissão erra e naturaliza barbáries quando permite a Osmar Terra continuar a propagação de mentiras já descascadas, há meses, por estudos científicos sérios ao redor do globo.

Erra quando se curva ao cabresto de um patrulhamento ignóbil de falsos identitarismos usados como escudo pela médica charlatã Nise Iamaguchi para constranger senadores.

Erra quando trata como “colega” um deputado e médico sem o menor apreço à humanidade ao endossar a tese da imunidade de rebanho cuja execução levaria milhões de brasileiros a valas abertas às pressas.

Erra quando usa a lisonja para se referir à trajetória do deputado em vez de cultivar o espanto e a repulsa para contrapor o passado do parlamentar à selvageria da chancela reiterada de crimes contra a saúde pública e à civilização.

Erra quando “ri” ou sonega perguntas para evitar o constrangimento quem não se envergonha de patrocinar milhares de mortes de brasileiros e promover a desconfiança na ciência com base em escatologia ideológica e benefícios de outra ordem.

É dever da comissão – em um país naufragado na convulsão cognitiva proposital da era Bolsonaro – estabelecer a verdade científica frente ao charlatanismo e censurar, sim, a mentira.

Impedir o discurso fraudulento, a pregação obscurantista e a ladainha dos estudos sem valor para a ciência – tanto entre os depoentes como entre os próprios parlamentares.

A massificação das sessões através das redes sociais e da própria TV Senado requer essa baliza conceitual para fomentar ações responsáveis de enfrentamento ao risco gerado pelo coronavírus.

E isso obriga os senadores a entender como a reação deles reverbera na assimilação da gravidade do genocídio por quem acompanha a CPI ou a produção de conteúdo a partir dos depoimentos.

Cadê a ojeriza diante das fake news? Cadê o espanto? Cadê a impaciência contra criminosos e mentirosos?

A articulação de políticas bolsonaristas para executar a carnificina no Brasil permite, sim, um paralelo com o holocausto nazista e isso se estende a quem investiga e os crimes.

Os senadores brasileiros sorririam para o clã de Hitler? Elogiaram o currículo e pediriam desculpas na hora de interrogá-los?

O Brasil exige do Senado e da CPI da Covid uma postura condizente com a gravidade das medidas cruéis impostas pela quadrilha de Bolsonaro para matar 500 mil pessoas e destruir a vida de milhões de brasileiros.

Ou agem à altura do dever histórico ou engordam o rebanho da banalidade do mal.

Tiago Barbosa
Jornalista formado pela Universidade Católica de Pernambuco, pós-graduado em História e Jornalismo pela Unicap. Ex-editor do caderno e do site de Cultura do Diario de Pernambuco