
O Conselho Nacional de Justiça decidiu abrir um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) contra sete magistrados do Tribunal de Justiça do Maranhão, apontados como integrantes de um esquema de corrupção que teria operado por anos dentro da Corte.
Entre os investigados está a desembargadora Nelma Sarney, cunhada do ex-presidente José Sarney e ex-corregedora-geral de Justiça. Os magistrados que ainda estavam na ativa foram afastados de suas funções imediatamente após a decisão.
A análise do caso ocorreu na sessão ordinária do CNJ realizada na terça-feira. Por unanimidade, os conselheiros acompanharam o voto do corregedor nacional de Justiça, Mauro Luiz Campbell, que classificou o grupo como uma “organização criminosa estruturada”.
Segundo o relator, a atuação conjunta de desembargadores e juízes tinha como objetivo produzir decisões fraudulentas que beneficiavam um ex-advogado do Banco do Nordeste por meio do desvio milionário de recursos públicos.
O esquema, de acordo com o CNJ, também é investigado na esfera criminal e tramita no Superior Tribunal de Justiça. A apuração começou após uma sindicância aberta com base em relatórios do Coaf, que identificaram movimentações suspeitas relacionadas ao levantamento de alvarás judiciais.
“Esses relatórios indicavam a existência de transações suspeitas e apontavam para a ocorrência de diversas movimentações atípicas de levantamento de alvarás em processos fraudulentos, causando prejuízo ao Banco do Nordeste”, afirmou Campbell.
Além de Nelma Sarney, foram afastados os desembargadores Marcelino Chaves (aposentado), Antônio Pacheco Guerreiro Júnior e Luiz Gonzaga Almeida Filho, e os juízes Sidney Cardoso Ramos (aposentado), Alice de Souza Rocha e Cristiano Simas de Souza.
Segundo o relator, os investigados articulavam a indicação de magistrados específicos para garantir decisões favoráveis ao advogado Francisco Xavier de Sousa Filho, apontado como o operador central das fraudes.
As irregularidades citadas pelo CNJ começam em 2015, quando a juíza Alice Rocha determinou a expedição de um alvará de R$ 14,1 milhões para Francisco Xavier, “em flagrante contrariedade ao parecer técnico da contadoria”. O Banco do Nordeste recorreu, e o caso caiu com o desembargador Marcelino Chaves.

De acordo com Campbell, o magistrado adotou uma “manobra dilatória” ao solicitar informações adicionais apenas para ganhar tempo. A estratégia permitiu que o valor fosse sacado integralmente antes de qualquer medida judicial.
Outro episódio citado envolve uma ação de cobrança iniciada em 2000. Em julho de 2019, Alice Rocha reconheceu a prescrição do pedido de Francisco Xavier. Mas, na apelação, o desembargador Guerreiro Júnior determinou o pagamento de R$ 3,5 milhões.
Posteriormente, o Banco do Nordeste demonstrou que o valor correto seria R$ 13,5 mil. Mesmo assim, “em 27 de julho de 2022, a juíza Alice Rocha simplesmente acolheu o pedido sem sequer remeter os autos à contadoria e determinou a penhora de R$ 4.851.921,74”, relatou Campbell.
A investigação aponta ainda um desfecho em 17 de março de 2024, quando o juiz Cristiano Simas autorizou a liberação de um novo alvará de R$ 3,4 milhões ao mesmo advogado. O CNJ afirma que os magistrados recebiam valores de propina em troca das decisões.
Segundo Campbell, Alice Rocha teria recebido R$ 164 mil em depósitos fracionados, com “indícios de lavagem de dinheiro e contraprestação ilícita”. Cristiano Simas teria recebido R$ 606 mil em 52 depósitos, parte feita pelo próprio juiz: prática tida como “típica de lavagem de dinheiro”.
O relator também mencionou o desembargador Marcelino Chaves, que teria recebido R$ 57.050,50 em 18 depósitos fracionados. Outros investigados aparecem em conversas citadas pelo CNJ, incluindo pedidos de pagamento, como a solicitação de “aquele negócio prometido de Luna”, suposta referência a propina.
Um assessor teria movimentado “milhões de reais” para dissimular transferências ilícitas. Campbell destacou ainda o papel de Nelma Sarney no esquema.
Segundo ele, a desembargadora utilizou sua posição como corregedora-geral para manipular a distribuição de processos e direcioná-los a magistrados que atuariam a favor das fraudes. Ela teria agido “sem qualquer critério objetivo [ao] redistribuir a execução para a magistrada Alice de Souza Rocha”, influenciando diretamente o êxito da organização criminosa.
“Todos esses elementos comprovam a existência de verdadeira organização criminosa estruturada no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, cujo objetivo específico era a concertação de decisões judiciais fraudulentas direcionadas contra o Banco do Nordeste para a obtenção de valores indevidos”, afirmou Campbell durante o julgamento.