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Crianças estão sendo linchadas por crianças com celulares

Duas meninas se mataram depois de ser estupradas e as fotos do crime serem compartilhadas no Facebook.

Audrie Pott

Duas adolescentes se mataram pelo mesmo motivo. Audrie Taylor Pott, americana de 15 anos, foi estuprada numa festa por três garotos de 16. Eles a fotografaram nua e inconsciente. Pelo menos uma das fotos tornou-se viral. Audrei desesperou-se. “Toda a escola sabe… Minha vida está arruinada”, escreveu no Facebook dias antes de se enforcar, em setembro. O trio de estupradores foi preso há poucos dias.

A canadense de 17 anos Rehtaeh Parsons foi atacada por quatro rapazes em 2011. Novamente, uma das imagens foi postada no Facebook. A vida da família ficou insuportável. Rehtaeh passou a receber cantadas de estranhos e seus amigos lhe viraram as costas. Tiveram de se mudar. Há poucos dias, os pais de Rehtaeh desligaram os aparelhos que a mantinham viva numa UTI, após uma tentativa frustrada de suicídio. A polícia canadense abandonou o caso por falta de provas.

Nos dois episódios, chama a atenção um aspecto que precisará ser matéria de lei: o que deveria acontecer com quem compartilha fotos ou informações difamatórias? Por que o ambiente da Internet faz com que algumas pessoas achem que estão impunes – não só os criminosos, mas também aqueles que participam do linchamento das vítimas com comentários?

Não me lembro de isso acontecer com essa facilidade em outros tempos. Ok. Fotos comprometedoras são usadas por chantagistas há décadas, mas na surdina. Dividir com os amigos do Facebook as cenas de um estupro é bem diferente. Ninguém pensou em ir à polícia. Ninguém pensou em perguntar para Rehtaeh ou Audrie se elas precisavam de ajuda. Danem-se. O que é isso diante de postar uma frase do Caio Fernando Abreu?

O grupo de hackers Anonymous está tentando fazer justiça com as próprias mãos. Eles dizem ter confirmado a identidade de pelo menos dois dos quatro jovens que estupraram Rehtaeh. Depois do cyberbullying, é a criação do cybervigilante.

O Anonymous está atrás do terceiro suspeito. “É questão de tempo até encontrarmos o quarto”, disseram num release. “Nós esperamos que a polícia aja rapidamente. Se nós localizamos esses meninos em duas horas, não demorará muito para outra pessoa encontra-los. Nós só nos envolvemos nisso porque houve gente que nos procurou pedindo ajuda”, afirmou um representante. Um dos suspeitos foi identificado porque seu rosto aparece nitidamente numa das fotos com Rehtaeh. “Não dá para entender por que a polícia canadense não achou que isso era uma prova”.

O Anonymous não é a solução de nada. Alguma coisa precisa feita para que crianças parem de linchar outras crianças com celulares.

Rehtaeh Parsons
Kiko Nogueira

Diretor do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.

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Kiko Nogueira

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