POR KAROL PINHEIRO
“Mais coragem para o nosso sangue vienense, estrangeiros demais não fazem bem a ninguém”. O slogan do FPÖ (Partido da Liberdade da Áustria) para a corrida eleitoral à presidência da Áustria, em 2016, flagrantemente flertava com o vocabulário nazista, que enfatiza a pureza da raça.
O discurso do partido fundado por ex-nazistas conquistou os eleitores austríacos e por muito pouco (exatos 31.026 votos), o candidato Nobert Hofer não venceu a corrida presidencial. Ainda que no segundo turno o FPÖ tenha perdido a eleição, a ascensão de um partido que desde sua criação vivia nas sombras foi um incentivo a mais para outras formações que se movem no mesmo espectro e que têm crescido no mundo inteiro.
“Todos os povos têm certo grau de paranoia. A extrema-direita historicamente se aproveita dessa paranoia para crescer, principalmente se tiver ao seu lado um líder carismático. Essas lideranças têm grande capacidade de se comunicar com a massa, principalmente se a massa estiver ressentida por viver em anos de dificuldade e restrições”, afirma a antropóloga Adriana Dias, da Unicamp, pesquisadora do neonazismo.
Se o nacionalismo exacerbado floresce em tempos difíceis, a Europa é um terreno fértil. Depois da maior crise econômica desde o pós-guerra, o continente enfrenta ainda baixo crescimento e uma taxa de desemprego que insiste em não baixar. A crise migratória desestabilizou ainda mais o continente, evidenciando que os governos de centro não tinham políticas eficazes para a questão. É desse vácuo que os movimentos de extrema-direita têm se aproveitado.
Nos Estados Unidos, não é diferente. “Com a industrialização dos Estados Unidos, o homem do campo, branco, aquele típico cowboy americano, teve de ir para a cidade e se ocupou no subemprego. O discurso da direita americana, na figura de Donald Trump, foi de que o latino, o muçulmano, lhe tiraram ‘o lugar de direito’. Ao prometer gerar empregos e barrar a entrada desses povos, Trump deu esperança ao cowboy. É semelhante ao que Hitler prometeu e fez”, compara Dias.
O Brasil não escapa da escalada da extrema-direita. Divulgada no último dia 15 de fevereiro, a pesquisa CNT/MDA sobre as intenções de voto para as eleições presidenciais de 2018, mostrou que o candidato mais lembrado espontaneamente depois de Lula é o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ).
Em alguns cenários analisados pela pesquisa, Bolsonaro – que nunca disputou pleito presidencial -, ostentou uma porcentagem de intenções de votos que o coloca na frente ou tecnicamente empatado com nomes tradicionais da corrida presidencial, como Aécio Neves e Marina Silva.
Estimulados pela onda radical que paira sobre o atual cenário mundial, a movimentação de grupos neonazistas tem crescido no Brasil. Uma reportagem da BBC Brasil do dia 18 de janeiro revelou que policiais da Delegacia de Repressão aos Crimes Raciais e Delitos de Intolerância da Policia Civil (Decradi) de São Paulo constataram nos últimos seis meses uma movimentação acima do normal de grupos neonazistas.
Na ocasião, a Polícia Civil cumpriu mandados de busca nas casas de quatro membros de um grupo extremista, suspeitos de colar cartazes de natureza antissemita na região central da Capital. Segundo a Polícia, os grupos neonazistas são formados por pessoas das classes média ou baixa.
Há 14 anos Adriana Dias estuda o fenômeno. Ela calcula existirem cerca de 300 células neonazistas no Brasil, que atuam predominantemente no sul do país, mas têm crescido vertiginosamente no Distrito Federal, em Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, a maioria inspirada em grupos neonazistas dos Estados Unidos, da Rússia e do leste europeu. São integrantes desses grupos que aparecem com mais frequência como agressores de negros, gays e em pancadarias entre torcidas organizadas.
“Hoje, mais de 300 mil pessoas leem material neonazista no país, ou seja, baixou mais de 100 arquivos, de mais de 100 megabytes, em um ano, sobre o assunto. Ainda que a gente faça um corte de pesquisadores, jornalistas e outros grupos que, como eu, estudam o assunto, sobra gente. É evidente que não necessariamente essas pessoas são nazistas, mas, sem dúvida, ao consumirem tal material tornam-se preparadas para serem iniciadas numa célula”, completa a especialista.
Para a pesquisadora da Unicamp, o florescimento de grupos neonazistas no Brasil é favorecido pelo incessante discurso autoritário ao qual a população tem sido exposta por meio dos partidos políticos de extrema-direita, e em especial por movimentos sociais de discursos semelhantes, como o Movimento Brasil Livre.
Como em muitos países apologia ao nazismo é crime, partidos como o FPÖ, da Áustria, e seus simpatizantes não se denominam nazistas. Em geral, se intitulam “defensores das tradições”, “libertadores”, “nacionalistas”, “guerreiros da nação”, entre outros eufemismos.
As células neonazistas são bastante heterogêneas, por terem concepções diferentes sobre como chegar ao objetivo – a predominância absoluta da raça ariana. Mas, no fundo, todas preservam e seguem os ingredientes fundamentais da receita nazista – o antissemitismo, o ultranacionalismo e a eugenia, embora incluam-se de tempos em tempos novos alvos de discriminação, a depender da configuração geográfica. “No Brasil, historicamente o ódio ao imigrante, por exemplo, é transferido aos nordestinos nos estados do sul”, pontua a antropóloga.
Na opinião de Adriana Dias, o combate ao preconceito de matriz nazista passa pela criação de uma Lei de Crime de Ódio. “Hoje, não há diretrizes do que se fazer nesses casos. Alguns crimes são investigados pela polícia local, outros pela Polícia Federal. O fato de a jurisdição não ser clara, nem quem investiga o quê e como, quebra o processo investigatório e, consequentemente, de julgamento”.
Ela conta ter estruturado um Projeto de Lei, mas vê dificuldades para fazê-lo chegar ao Legislativo e, posteriormente, ser aprovado: “Na atual conjuntura, não haveria interesse em passar tal projeto. A criminalização do ódio seria a criminalização da extrema-direita. Essa que se valeu da crise política para crescer”.
Um preocupante experimento foi feito pelo diretor de cinema alemão David Wnendt durante as filmagens do longa “Ele está de volta”. Wnendt recrutou o desconhecido ator Oliver Masucci, vestiu-o de Hitler e fez com ele uma turnê pela Alemanha, registrando sua interação com a população. O filme mostra cenas reais de diálogos entre o ator caracterizado de Hitler e os alemães, que confessavam sua insatisfação com os estrangeiros e refugiados recebidos no país. Para eles, esses grupos estariam destruindo a Alemanha.
Em determinada cena, “Hitler” consegue convencer um grupo de torcedores de futebol a atacar um ator que fazia comentários antigermânicos – neste momento, particularmente, foi necessária a intervenção do diretor e dos câmeras para evitar o pior.
Em 300 horas de gravação, somente duas pessoas reagiram negativamente ao experimento. A certa altura do filme, Oliver Masucci, como Hitler, conclui que “tem bom material de trabalho pela frente” para construir seu Quarto Reich, uma sociedade pronta para odiar.