Crise no PSL: por que a sigla rachou e o que querem as alas bolsonarista e bivarista. Por Caroline Oliveira

Atualizado em 12 de dezembro de 2019 às 10:20
Bolsonaro e Bivar se cumprimentam na primeira reunião dos deputados federais do PSL: em menos de um ano, a parceria desmoronou / Reprodução/Facebook Luciano Bivar

Publicado originalmente no site Brasil de Fato

POR CAROLINE OLIVEIRA

O Partido Social Liberal (PSL) está em disputa. Jair Bolsonaro, presidente da República, que se desfiliou há um mês, e Luciano Bivar, presidente da sigla, vivem uma queda de braço que pode proporcionar à sigla uma queda tão avassaladora quanto foi sua ascensão.

O Brasil de Fato ouviu representantes das diferentes alas – bolsonarista e bivarista – para entender o racha e as perspectivas para a sigla.

Antes e depois

Desde que o capitão reformado entrou para o PSL, em 2018, o partido atingiu um nível de expressividade eleitoral até então inimaginável. O número de parlamentares na Câmara dos Deputados saltou de um, em 2014, para 52, após as eleições do ano passado.

Após o anúncio da desfiliação de Bolsonaro em rede nacional, no dia 12 de novembro, cerca de 25 parlamentares eleitos também ensaiam sua saída.

Sem o presidente da República no partido, a ala bivarista defende que o “novo PSL” deixe de lado o aspecto beligerante e autoritário associado à ala bolsonarista. Ainda assim, segundo os representantes desse setor, as pautas continuarão “liberais na economia e conservadoras nos costumes”.

“Deixa eu contar um trem pra você: as nossas pautas de direita não nasceram e nem acabam com o Bolsonaro”, afirmou à reportagem o deputado federal Delegado Waldir (PSL-GO).

“O PSL será realmente alinhado com as bandeiras liberais na economia, e não um partido nacionalista travestido de liberal. A parte do partido que está saindo é militarista, nacionalista, e não liberal de fato”, reforçou a deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP) ao Estadão. “São xiitas que desrespeitam a democracia e atacam as instituições”, completou.

Com olhos voltados para as eleições municipais de 2020, a sigla deve se aproximar de partidos e governadores para formar alianças que antes eram limitadas pela resistência bolsonarista.

Em São Paulo (SP), Hasselmann se aproxima do prefeito Bruno Covas (PSDB) para um possível chapa para o próximo pleito. A dupla tem as bênçãos do governador João Doria (PSDB), um nome ventilado pela direita como possível adversário de Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2022.

Com a cisão, a bancada do PSL na Câmara deve diminuir de 52 deputados para cerca de 30. No Senado, dos três representantes eleitos, somente Flávio Bolsonaro deixou o partido para fazer parte do Aliança pelo Brasil. Dos três governadores, nenhum, por enquanto, flertou com essa possibilidade.

As dissidências não afetam o tempo de propaganda eleitoral na TV nem os R$ 358 milhões que a sigla tem direito de usar no pleito de 2020 – R$ 245 milhões do fundo eleitoral e R$ 113 milhões do fundo partidário –, uma vez que o cálculo é feito com base nas eleições de 2018.

“Perseguidos e punidos”

No dia 3 de dezembro, o PSL anunciou punições para 18 deputados da ala bolsonarista, entre eles Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), e a dissolução do diretório estadual de São Paulo, comandado pelo filho do presidente.

Além de Eduardo, Bibo Nunes (PSL-RS), Alê Silva (PSL-MG) e Daniel Silveira (PSL-RJ) receberam a punição de máxima de 12 meses de suspensão, incluindo afastamento da atividade parlamentar. Carlos Jordy (PSL-RJ) recebeu suspensão de sete meses; Carla Zambelli (PSL-SP) e Bia Kicis (PSL-DF), de seis. Aline Sleutjes (PSL-PR) e Hélio Lopes (PSL-RJ) foram somente advertidos.

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, assinou na última terça-feira (10) a suspensão das atividades parlamentares dos membros suspensos pelo partido. Com isso, Eduardo deixa a liderança do partido na Câmara para dar lugar à ex-líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann.

A deputada, que tornou-se alvo da ala bolsonarista e fez acusações à família Bolsonaro em depoimento na CPI das Fake News, não respondeu aos pedidos de entrevista.

Em conversa com o Brasil de Fato, Nunes ironizou a punição. “Estou chateado porque eu fui suspenso por um ano. Acho que deveriam me punir por três anos. Quanto mais me punirem, mais eu fico bem com o meu eleitorado”, disse.

Esse cálculo político é feito por quase todos os deputados da ala bolsonarista: afastar-se de um partido mergulhado em denúncias de corrupção não é, necessariamente, um mau negócio. Ainda mais, se a saída representar um distanciamento da ala de Bivar, indiciado pela Polícia Federal (PF) por suposta fraude na aplicação de recursos financeiros destinados a candidaturas laranjas em seu estado, Pernambuco.

O envolvimento com milícias no Rio de Janeiro e as suspeitas de corrupção e de participação no assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), que rondam a família Bolsonaro, não parecem incomodar os representantes da ala bolsonarista. Pelo contrário, eles falam com orgulho do setor que representam dentro do PSL.

Para Alê Silva, a punição se deu porque os parlamentares ligados a Bolsonaro decidiram brigar por “transparência e honestidade” dentro do partido. A deputada ajudou a denunciar o laranjal mineiro e pernambucano, que resultou em acusações contra o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, e no indiciamento de Bivar. “Se eu tivesse que recomeçar e fazer tudo de novo, eu faria”, ressaltou.

“Desde então, eu senti que a cúpula do partido queria ver o capeta mas não queria me ver pela frente. Aí, começaram as perseguições. Quando fui ver, percebi que eu não estava sozinha, que outros colegas meus estavam sofrendo perseguições, e aí resolvemos nos juntar e nos rebelar”, disse a parlamentar ao Brasil de Fato. A rebeldia se concretizou na escolha de Eduardo Bolsonaro para a liderança da Câmara, deixando de fora o Delegado Waldir.

O destino daqueles que se movimentam para sair do PSL é o Aliança pelo Brasil. Todos os 18 parlamentares já sinalizaram a intenção. Os advogados do futuro partido entrarão, nos próximos dias, com um pedido no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de desfiliação por “justa causa” dos deputados punidos por Bivar. A defesa alegará que houve perseguição política.

De acordo com a legislação brasileira, os políticos devem comprovar que houve “grave discriminação política pessoal” ou “mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário” para que a desfiliação não seja configurada como infidelidade partidária, o que poderia levar à perda do mandato. Se forem expulsos, a perda de mandato é imediata e eles não podem sequer migrar para o Aliança fora da janela eleitoral – aberta seis meses antes das próximas eleições.

“Não é bem assim”

O Delegado Waldir assegurou à reportagem que nenhum parlamentar será expulso do PSL. “Eles vão abandonar o mandato deles? Seis meses antes da eleição tem uma janela eleitoral, quando o parlamentar pode sair. Antes disso, não existe a possibilidade. Não posso dar o doce que a criança quer. A pretensão deles é a expulsão”, declarou.

O ex-líder do partido na Câmara contou que existe um grupo “mais moderado”, do qual afirma ser parte, e um grupo “beligerante”. Este, segundo ele, teria como horizonte tomar o Supremo Tribunal Federal (STF), derrubar os presidentes Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP) e acabar com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “Esse é o grupo deles, ok?”

Ele também afirmou que, “na verdade”, Bolsonaro queria ter o controle do partido e de todos os diretórios estaduais para a designar aos cargos pessoas de sua alçada – “radicais em cada estado controlando a chave do cofre”.

Em sua visão, o que existe é uma briga pelo controle do partido e pelo fundo partidário. O racha teria começado, segundo ele, quando Bivar decidiu frustrar os planos do capitão reformado, impedindo que ele monopolizasse as nomeações.

A narrativa é endossada pelo deputado federal Júnior Bozzella (PSL-SP). Ele acusa os advogados de Bolsonaro de incitarem uma movimentação entre os parlamentares para, pouco a pouco, ocuparem os principais cargos na burocracia interna do PSL: “Eles queriam a Secretaria-Geral e a Tesouraria do partido, e aí começaram a cooptar deputados. Essa é a verdadeira história”.

O tripé que defende a família Bolsonaro nos tribunais é composto pelos advogados Karina Kufa, o rosto mais conhecido na mídia, Frederick Wassef e o ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Admar Gonzaga. Em entrevista à revista Época, Kufa, que tem um histórico de embates jurídicos contra Bivar, revelou seu temor: “A gente não sabe o que tem no partido. Se alguma coisa estourar, ninguém vai dizer que é do partido do Bivar. Ninguém sabe quem é Luciano Bivar. Vão vir atrás do presidente Bolsonaro”.

Até o momento da publicação desta reportagem, a equipe da advogada não respondeu aos pedidos de entrevista.

Para Bozzella e Waldir, a cobrança por “transparência” e “honestidade”, que vem à tona nas declarações de Alê Silva, é parte de uma narrativa falsa, que instrumentaliza o “combate à corrupção” como ferramenta contra a ala bivarista. Bozzella cita como exemplo o investimento feito para realização da Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC) Brasil, evento “importado” por Eduardo Bolsonaro dos Estados Unidos para São Paulo, que ocorreu em outubro deste ano. “Para o evento do Eduardo lá em São Paulo, o partido deu R$ 1,5 milhão. Então, não tinha problema de transparência”, ironizou.

A reportagem aguarda o retorno de Eduardo Bolsonaro para comentar as acusações.