Cristiane Brasil quer um ministério para ajudar os descamisados de sua lancha. Por Carlos Fernandes

Atualizado em 29 de janeiro de 2018 às 21:40

A caricata postulante ao ministério do trabalho do governo Temer conseguiu, em exatos 53 segundos, dar uma demonstração pedagógica acerca do pensamento classista brasileiro preservado dos tempos em que navios negreiros ainda aportavam no litoral desse país.

Desconfio se gigantes da envergadura de Sérgio Buarque de Holanda e Darcy Ribeiro teriam a mesma habilidade em explanar, num espaço tão curto de tempo e com tamanha clareza, as raízes que sustentam as relações até hoje tão primitivas entre a casa grande e a senzala.

A bordo de uma lancha e cercada pelo que na mitologia cristã poderia ser definido como uma representação burlesca dos quatro cavaleiros do apocalipse, Cristiane Brasil externou o que pensa sobre tudo o que envolve os processos trabalhistas em que foi condenada.

A criatura já começa afirmando que até admite que todo mundo tenha o direito de pedir “qualquer coisa ‘abstrata’ na justiça”, ao passo que alerta logo em seguida: “Mas o negócio é o seguinte: quem é que tem direito? Ainda mais na justiça do trabalho?” 

É inacreditável, mas Cristiane além de considerar “abstrato” direitos trabalhistas garantidos por lei, sugere que trabalhadores, justo os trabalhadores, não estão entre os beneficiários dessas tais “abstrações”.

Para ela e seus convivas, obrigar um funcionário a trabalhar 15 horas diárias é algo que deveria ser perfeitamente normal e aceitável, “ainda mais na justiça do trabalho”, que, segundo ao seu ver, não passa de um entrave ao desenvolvimento dos “eleitos”.

A coisa é tão descarada que ela afirma, “jura” na verdade, que não achava dever qualquer coisa para os dois trabalhadores que entraram na justiça contra ela. Assegura, inclusive, que provará a essas duas pessoas, “logo em breve”, que de fato nada lhes deve. Aguardamos todos ansiosos.

É ancestral.

Da mesmíssima forma, os ocupantes da casa grande jamais imaginaram dever qualquer coisa para os seus escravos. Muito pelo contrário aliás. Considerados mais mercadorias do que seres humanos, na visão distorcida dessa gente, seriam eles, os escravos, que deveriam estar agradecidos pela oportunidade de ainda se manterem vivos.

Cristiane Brasil e os brucutus que a rodeiam acreditam piamente que a classe trabalhadora já deveria se sentir afortunada por possuir um emprego que garanta pelo menos um mísero prato de comida para a sua família.

Para essas pessoas, o trabalhador que reclama de salários miseráveis, condições laborais perigosas e insalubres e jornadas indecentes de trabalho são vagabundos mal-agradecidos que merecem mesmo é morrer de fome.

A coisa toda é gritante, mas nada, absolutamente nada em todo esse absurdo resume mais o pensamento da elite brasileira do que a grande dúvida que assola, no final do vídeo, a ilustríssima deputada:

O que passa na cabeça das pessoas que entram ‘contra a gente’ em ações trabalhistas? ”.

Eis a grande “inversão de valores” que assombra nossa elite.

Pobres questionando ricos em busca de seus direitos é algo que definitivamente não pode ser admitido. O “contra a gente” tão bem enfatizado por Cristiane Brasil mostra que não somos um país de iguais.

Para muito mais do que ideologias, é o poder econômico que divide partes tão antagônicas de nossa sociedade. Mexer no formato da pirâmide social é algo que a casa grande jamais admitirá.

E como já visto recentemente, não são bens como a democracia e o republicanismo que os impedirão de fazerem o que for preciso para manter garantidos os seus privilégios.

Lutar é preciso, até porque eles podem até não saberem o que se passa em nossas cabeças, mas de toda forma, já nos deram amostras suficientes do que se passa na cabeça deles.

É algo tão aterrorizante quanto a própria Cristiane Brasil.