Eu não perderia tempo para ver um programa do Antagonista se Leonardo Boff não tivesse registrado no Twitter que Mariana Godoy regrediu ao aceitar apresentar o lançamento da revista online Crusoé, do mesmo grupo que edita o site.
Fui ver o vídeo, disponível no YouTube, e consegui chegar até os 32 minutos, depois da exibição de um vídeo em que a publicação é apresentada.
O principal atração da edição de estréia é uma entrevista com Sergio Moro. Pelo pouco que é apresentado, dá para cravar: Moro diz o de sempre: tenta convencer o público de que é um juiz, não parte.
É claro que Mariana emprestou seu nome para esse tipo de apresentação em vídeo em troca de dinheiro e, por isso, teve que ouvir frases de Diogo Mainardi do tipo: “Dizem que você é petista, comunista”.
Mas Mariana, a seu modo, deu o troco, ao verificar que os representantes de Antagonista/Crusoé eram todos homens, brancos, classe média alta, trabalhavam na revista Veja em Brasília. “Estou vendo um padrão aqui”, disse ela.
Diogo Mainardi emendou: “Reacionários, fascistas”.
Houve risos.
Pode parecer brincadeira ou uma crítica de Mariana, mas, para o tipo de público a que se destina a publicação, é um elogio.
O Antogonista foi criado há cerca de três anos por Mário Sabino e Diogo Mainardi, egressos de Veja.
Em 2016, recebeu investimento de 5 milhões de reais da Empiricus, uma empresa com publicações voltada a interesses no mercado financeiro e de capitais.
A Empiricus, dona de 50% da propriedade do Antagonista, é investigada pela Comissão de Valores Mobiliários, a CVM, por fraude na divulgação de informações que impactam no movimento das bolsas.
Três de seus analistas foram suspensos.
Publicação que é propriedade de empresa com investimento na Bolsa — no caso da Empiricus, indireto — é um caso permanente de conflito de interesses.
Notícias têm impacto na performance de ações e outros ativos do mercado.
Exemplo: quando a notícia do Tribunal Regional Federal da 4a. Região confirmou a condenação de Lula, em janeiro deste ano, a Bolsa subiu e o dólar caiu.
O primeiro a dar a notícia de que Lula seria condenado, com voto uniforme dos desembargadores, foi o Antagonista, notícia publicada antes mesmo que o relator, João Pedro Gebran Neto, divulgasse seu voto.
É claro que houve vazamento, e quem recebeu a informação antes teve oportunidade de dirigir investimentos e lucrar.
Nos Estados Unidos, quem opera no mercado não pode ter empresa jornalística. Até jornalistas devem evitar, como pessoa física, fazer investimentos em bolsa.
Na entrevista a Mariana, Diogo Mainardi disse que a Crusoé é um produto que nasceu como resultado do sucesso financeiro do site, mas ele não explica como ganham dinheiro.
Diz que o Antagonista não tem departamento comercial. “A gente inventou um jeito de fazer esse troço”, disse.
O Antagonista tem audiência elevada e propaganda programática poderia ser uma forma de financiamento — é o que mantém o DCM, por exemplo.
Mas, no Antagonista, a publicidade de maior destaque é sempre da Empiricus ou de algum produto ligado a ela, que promete coisas como “Paguei meu imóvel sem usar R$ 1,00 do meu salário”.
A Empiricus já teve de responder a investigação na Justiça Eleitoral por fazer propagandas como “A candidatura de João Doria pode ter deixar rico”, sobre as articulação do ex-prefeito para obter legenda do PSDB na eleição à presidência.
O diretor da Crusoé, Rodrigo Rangel (ex-Veja), disse à Mariana Godoy que a nova publicação não tem lado. É claro que tem, e não é o interesse público.
Na entrevista, os homens brancos da revista Veja lembraram que nome Crusoé é uma referência a Robinson Crusoé, o livro escrito no século XVII pelo britânico Daniel Defoe.
Crusoé é o náufrago que vive sozinho numa ilha até encontrar o nativo Sexta-Feira e depois ser resgatado por um navio espanhol.
“O nosso Crusoé é exatamente isso. A gente vê o país, o naufrágio nacional, como Crusoé, náufrago, na costa da Venezuela, não por acaso, e a necessidade de reconstruir do zero, reconstruir o país inteirinho, a gente sente essa necessidade, a política, a segurança pública, a educação, o Judiciário, reconstruir tudo, o país inteiro, com alguns valores”, disse Mainardi.
Crusoé nasceu para ganhar dinheiro e para ser o anti-Lula (seus fundadores dizem pós-Lula, mas sem Lula não são nada). Mas Mainardi não vai dizer isso.
Falar em reconstruir como Crusoé deve encantar seus leitores, sobretudo porque estes, brancos que leem a Veja, talvez não conheçam a obra de Daniel Defoe. Se tivessem lido Robinson Crusoé , atentariam para outro aspecto do personagem. Crusoé é um homem rico que compra terras baratas no Brasil, explora o trabalho escravo e fica milionário. Está mais para a Empiricus do que para o idealista que reconstrói tudo. Até porque Robinson Crusoé, um personagem com grandes falhas de caráter, nunca foi idealista.