Cumplicidade: por que a mídia chama de “conservadores” os extremistas que queimam “bruxas”. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 7 de novembro de 2017 às 16:21
“Conservadores”

A Folha batizou de “grupos conservadores” os celerados que atearam fogo a uma boneca de Judith Butler enquanto gritavam  “queimem a bruxa” em frente ao Sesc-Pompeia.

O mesmo jornal define Olavo de Carvalho como “referência do conservadorismo no Brasil”. Jair Bolsonaro já foi classificado como “nome conservador”. O Estadão também assim o intitula.

O que mais falta esses radicais fazerem para ser denominados pelo que são? O termo “extremistas de direita” não existe nos manuais da redação?

Abraham Lincoln questionou: “O que é o conservadorismo? Não é a adesão ao antigo e tentado contra o novo e não experimentado?”

Em 1952, Russell Kirk lançou o influente livro “The Conservative Mind” (“A Mentalidade Conservadora”, publicado no Brasil), clássico do pensamento político.

Para Kirk, é preciso combinar “uma capacidade para reformar com uma disposição para preservar; o homem que ama a mudança é totalmente desqualificado do seu desejo, para ser o agente da mudança”.

Ele cita o britânico Edmund Burke, pai do conservadorismo, que enfatizava a ordem, a preservação das instituições sociais, a administração e a prudência como elementos-chaves.

“Em algum lugar deve haver um controle sobre a vontade e o apetite, e menos do que há por dentro, e mais do que deve haver por fora”, escreveu.

John Adams, segundo presidente dos Estados Unidos, um dos “founding fathers”, via “humildade, paciência e moderação” como as maiores virtudes políticas.

Alguma semelhança com a camarilha que encena espetáculos medievais contra uma filósofa?

Com os cidadãos de bem que invadem exposições de arte e ameaçam visitantes?

Com um candidato a presidente que prega o fuzilamento de “bandidos” e exalta um torturador? Ou com um pastor que prega a “cura gay”?

Ao mentir sobre a natureza desses homens e movimentos e chamá-los pelo que não são, a mídia ajuda a legitimá-los. Parte é ignorância e preguiça, parte é cálculo. Afinal, muitos deles são leitores.

Não passa um dia sem que um grupo desses “conservadores” pratique um ato ignóbil e radical.

A imprensa é cúmplice dessa horda e o será até que um boneco de um Marinho, um Frias ou um Civita — ou os próprios — seja atirado na fogueira pelos “conservadores”.