O professor Márcio Amaral, do Instituto de Psiquiatria da UFRJ, escreveu um texto no blog da entidade traçando um paralelo entre Eduardo Cunha, Hitler e Zé Pequeno, o vilão de “Cidade de Deus”.
A seguir, alguns dos principais trechos:
Para se entender como uma sociedade qualquer produz essas figuras, há que começar por demonstrar que eles, por “mais alto” que tenham ido, continuarão a ser sempre uns “ZÉ PEQUENOS” (ver o filme “Cidade de Deus”). A rigor, seriam mesmo “Zé Manés”, servindo mais para expressar a pobreza intelectual/moral de uma sociedade/comunidade, do que alguma possível virtude pessoal para além da capacidade de fazer o mal sem limites a quem se interponha a seus desígnios.
Há muito me ocupo com isso e penso ter chegado a uma “fórmula” aplicável. Sempre que, em um ambiente qualquer:
1- no qual os valores estão corrompidos há muito tempo e começaram a apodrecer;
2- impera a HIPOCRISIA (chamado por alguns de “ambiente político de negociações” ou “balcão de negócios”)
3- as contradições presentes — não encaradas a seu tempo e de frente — chegaram ao seu nível mais alto de acirramento.
4- surge alguém que sabe o que quer; expressando uma VONTADE clara e inescrupulosa; contando com alguma competência para manipular as fraquezas alheias e capaz de provocar medo: onde os outros negociam, eles fuzilam.
Essa pessoa há de tomar o poder e exercê-lo até que uma força externa o apeie do poder. Por falar em “ZÉ PEQUENOS”, o seu patrono foi exatamente aquele que ficou conhecido por “Napoleão III…O PEQUENO” (V. Hugo), personagem principal do “18 do Brumário de Luis Bonaparte”.
O caso de Hitler é bem conhecido: nunca vacilou em mandar matar, especialmente seus ex-colaboradores, quando tornados incômodos (ver a “noite dos longos punhais” e suas centenas de mortos). A escória da sociedade (organizada em torno das SA, ou “camisas marrons”) levou-o ao poder pelo medo. Tornada um incômodo no processo de conquista do apoio da “elite alemã” (nobreza, F. Armadas e grandes industriais), foi dissolvida e seus líderes assassinados em poucos dias (“Noite dos Longos Punhais”).
O caso do “herói” do filme “Cidade de Deus” também é ilustrativo: onde outros traficantes negociavam, ele simplesmente matava. Quando levou ao extremo a total falta de valores humanos que pairava no ar, tornou-se a referência do lugar. Nesses casos, é cultivada, em torno da figura, uma “aura de onipotência”. Tornam-se uma espécie de “totem sagrado” para os envolvidos, como se encarnassem toda uma época. Significativamente, no final do filme (e como se fosse apenas um cão danado), quem o mata são crianças, imunes à mitologia que se tinha criado à sua volta.
CUNHA não mata (ainda, pelo menos) porque tem outros instrumentos. Assim, ele representa nada mais do que a chegada às últimas consequências da TOTAL FALTA DE VALORES NO CONGRESSO NACIONAL. Elementos como ele também têm sua importância social. Quem sabe não são uma espécie de “RELHA DO ARADO”? Mas, a rigor, está revolvendo apenas o ESTERCO que se acumula em Brasília há décadas. E esse…nem para adubo deve servir.
(…)
Como disse, elementos como CUNHA somente são removidos do poder a partir da ação de forças externas ao jogo viciado.
A evocação do führer pode até ser enquadrada na Lei de Godwin, aquela que diz o seguinte: “À medida em que cresce uma discussão online, a probabilidade de surgir uma comparação envolvendo Adolf Hitler ou o nazismo aproxima-se de 1 (100%).”
Mas Cunha e Zé Pequeno são, definitivamente, a mesma pessoa.