Cunhado de Bolsonaro devastou com gado área de proteção ambiental nas margens do Rio Ribeira (SP)

Atualizado em 4 de setembro de 2020 às 13:27

Publicado na De Olho nos Ruralistas

Theodoro Konesuk, cunhado de Bolsonaro

Por Leonardo Fuhrmann

Cunhado do presidente Jair Bolsonaro, o empresário Theodoro da Silva Konesuk admitiu ao Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) ser responsável por devastar a vegetação da reserva legal de uma fazenda que possui às margens do Rio Ribeira do Iguape, em Registro (SP). O rio, cuja nascente fica no Paraná, é um dos mais importantes de São Paulo, além de dar nome para a região onde o presidente e seus irmãos foram criados: o Vale do Ribeira.

Konesuk foi um dos alvos de um inquérito civil iniciado em 2016, com o objetivo de apurar as responsabilidades pela destruição da reserva legal em torno do rio. Ele aparece como um dos sócios de uma propriedade de pouco mais de 323 hectares localizada na margem direita do Ribeira. Em outubro do ano passado, Konesuk e os demais envolvidos assinaram um termo de ajustamento de conduta (TAC), em que se comprometeram a permitir a regeneração da vegetação da reserva legal da propriedade.

O compromisso incluiu a construção de uma cerca para evitar que búfalos e bovinos invadam a área de reserva e prejudiquem a recuperação da mata ciliar nativa. Os búfalos são uma das principais apostas do agronegócio paulista para o desenvolvimento do Vale do Ribeira, uma das principais regiões de preservação de Mata Atlântica do país. Pelo porte, porém, eles costumam destruir as matas e prejudicam a recuperação do solo.

Os acusados se comprometeram a destruir edificações que ocupavam parte da propriedade que fica na Área de Preservação Permanente (APP) do Rio Ribeira, bem como não usar herbicidas no local. Eles tiveram um prazo de quatro meses para entregar um projeto técnico aos órgãos ambientais para a recuperação ambiental, com a plantação de espécies nativas caso fosse necessário.

Casado com Vânia, irmã caçula de Jair Bolsonaro, Konesuk mora em Cajati, também no Vale do Ribeira. Ele foi condenado, em setembro de 2018, a devolver uma área pertencente aos remanescentes do quilombo do Bairro Galvão, em Iporanga — outro município da região. Vânia Bolsonaro, a irmã mais nova do presidente, possui uma loja de utilidades domésticas em Cajati.

O caso foi revelado naquele ano pelo De Olho nos Ruralistas, ainda durante a campanha eleitoral, mas continua a ser ignorado pela imprensa comercial: “Cunhado de Bolsonaro é condenado por invasão de quilombo no Vale do Ribeira”.

USO IRREGULAR FOI CONSTATADO EM INQUÉRITO CIVIL

Konesuk possui 57,45 hectares dos 323,07 hectares do imóvel, dividido com quatro sócios. O compromisso expresso no documento é o de “cessar o uso irregular das áreas de exploração permanente”. Um dos itens do TAC prevê que, em doze meses (que se encerram em outubro), que as APPs “não sejam acessadas por gado bovino, gado bubalino ou outros animais que possam interferir no processo de sua recuperação”. A APP em questão se situa a 100 metros das margens do Rio Ribeira.

Os demais citados no inquérito movido pelo núcleo do Vale do Ribeira do Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente (Gaema) do Ministério Público do Estado de São Paulo foram os fazendeiros Luis Pinto Coelho, Sérgio Braga Coelho, Francisco Rosário Dantas de Moura e Nivaldo Diniz Correia Junior. Pelo menos este último é ligado ao poder local de Registro, a principal cidade do Vale do Ribeira.

Correia é um dos donos do Sítio Guaviruva, nas margens do Rio Iguape, em Registro. A empresa que cuida do sítio, criada em 2007, tem como fim principal a produção pecuária; em segundo lugar, a produção de bananas — a atividade agrícola principal da empresa anterior de Correia, criada em 2006. Parte da propriedade foi adquirida, em 2002, por um dos atuais sócios do fazendeiro, o coronel da PM Antonino Torres Lacerda, candidato a vice-prefeito do município em 2012, pelo PP.

O TAC foi assinado após o inquérito civil ter apontado irregularidades na ocupação do solo e a falta de preservação da APP na propriedade. O termo é um acordo feito pelos acusados com a promotoria para que o caso não seja levado à Justiça, onde o processo seria mais longo e as penas tendem a ser maiores. O acordo pode ser rompido caso seja constatado que os acusados não cumpriram com as cláusulas. Além disso, há a previsão de uma multa diária de R$ 500,00 por descumprimento das cláusulas.

No sistema do MP-SP o TAC aparece atualmente como “em fiscalização”. As últimas movimentações no inquérito civil são assinadas pelo promotor Nilton de Oliveira Mello Neto. O TAC obriga também Konesuk a regularizar o registro no Cadastro Ambiental Rural (CAR) para a inclusão dos 20% de área de reserva legal. Ele e os sócios assumiram “a obrigação de regularizar a situação do imóvel no que tange à instituição, averbação e manutenção de reserva legal, segundo percentual mínimo exigido”.

GOVERNO PAULISTA VETOU PROJETO PARA PRESERVAR O RIO

O Vale do Ribeira é a maior área de preservação de Mata Atlântica do País. O bioma, rico por sua diversidade, é considerado o mais ameaçado do Brasil, com apenas 12% de sua área original preservada. Com o início do governo Bolsonaro, o desmatamento também foi maior na Mata Atlântica. Um estudo do SOS Mata Atlântica apontou um aumento de 30% no desmatamento ilegal neste tipo de vegetação em 2019 em relação ao ano anterior. Foram 145 quilômetros quadrados destruídos em um ano.

Região do Ribeira é a que tem maior área de Mata Atlântica em SP. (Imagem: SOS Mata Atlântica/CBH-RB/Fehidro/ISA/IF/Arcplan/Vidágua)

Apesar da importância ambiental da região, boa parte da vegetação ciliar do Ribeira do Iguape e de seus afluentes foi destruída. O Ministério Público paulista arquivou a ação em fevereiro, por considerar que os termos do TAC estavam sendo cumpridos, após o pedido de arquivamento ter sido ratificado pelo Conselho Superior da instituição.

Por isso, na década passada, o Instituto Socioambiental (ISA) chegou a criar um projeto de recuperação dessa vegetação. O ex-deputado estadual Raul Marcelo (PSOL) chegou a apresentar um projeto para tornar o rio patrimônio histórico e ambiental de São Paulo, o que impediria a construção de barragens, como a que pretendia construir o Grupo Votorantim, assim como outras obras que alterassem suas características.

A proposta foi aprovada, mas acabou vetada pelo então governador José Serra (PSDB). Com maioria tucana, a Assembleia não derrubou o veto.

A importância ambiental da região tem um forte aspecto cultural:  existem dez aldeias Guarani Mbyá e Ñandeva, mais de oitenta comunidades caiçaras e 98 dos 142 territórios quilombolas existentes no estado, 36 deles oficialmente delimitados. O Vale do Ribeira é a região mais pobre e de menor desenvolvimento humano de São Paulo e tem no turismo cultural e ambiental uma de suas opções de geração de renda.

IMPRENSA CONTINUA A IGNORAR INVASÃO DE QUILOMBO

A condenação de Konesuk por invasão de um quilombo, em setembro de 2018, foi feita pela juíza Gabriela de Oliveira Thomaze. “Resta demonstrado que se trata de área devoluta pertencente ao Estado, as quais foram legitimamente outorgadas à Associação dos Remanescentes de Quilombo da Barra de São Pedro do Bairro Galvão”, constatou ela. A terra foi devolvida.

Em seguida os quilombolas começaram a plantar banana, um dos principais produtos da região. Mas eles contaram aos repórteres Igor Carvalho e Michele Coelho que funcionários do empresário voltaram ao local e destruíram as cercas e o trabalho dos agricultores. O cunhado de Bolsonaro utilizava a terra pública para criar gado.

A presença negra no Bairro Galvão começou em meados do século 19, quando o ex-escravizado Bernardo Furquim chegou à região com um grupo de fugitivos e formou um quilombo. Eles e seus descendentes — informa um relatório da Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp) publicado em 2000 — produziam arroz, café, cachaça e carvão.

A partir dos anos 80, os remanescentes do quilombo passaram a sofrer com ameaças feitas por grileiros e seus jagunços. Segundo relatos colhidos pelo Itesp e pelo Ministério Público Federal, muitos quilombolas foram expulsos da região. Outros, com medo das ameaças, venderam partes da terra por valores irrisórios e foram embora.