“Dá para gritar gol?”: Entenda 4 diálogos da Lava Jato que vieram à tona esta semana

Atualizado em 3 de março de 2021 às 12:22

Publicado no Brasil de Fato

Procuradores da Lava Jato

O mês de março começou mal para os operadores da Lava Jato no Paraná. Na última segunda-feira (1º), vieram a público novos diálogos vazados de um grupo na rede social Telegram que explicitam a perseguição da força-tarefa da operação em Curitiba (PR) contra o ex-presidente Lula (PT).

Em petição apresentada ao Supremo Tribunal Federal (STF), a defesa apresentou algumas dessas conversas, mostrando que a Lava Jato teria ocultado provas da inocência do ex-presidente, pressionado testemunhas de maneira ilegal e divulgado acusações falsas contra o petista.

A defesa de Lula teve acesso ao material depois de receber autorização do próprio Supremo. As conversas fazem parte da Operação Spoofing, que investiga hackers que teriam invadido os telefones de autoridades.

Em nota, no final de fevereiro, procuradores da Lava Jato afirmaram não reconhecer a autenticidade dos diálogos vazados até o momento, mas disseram que nenhum deles seria grave, caso fosse real. “Brincadeira entre colegas de trabalho”, resumiram, na nota enviada à imprensa.

Sobre os vazamentos mais recentes, eles reiteraram que não reconhecem a autenticidade das mensagens.

O Brasil de Fato selecionou quatro diálogos considerados, pela defesa de Lula, reveladores da parcialidade da Lava Jato. Confira:

“Dá para gritar gol quando ele se ferrar?”

Em uma das mensagens, em 2017, os procuradores aparecem ironizando um pedido de Lula para que seu julgamento fosse transmitido ao vivo, para evitar distorções.

Sem explicar o motivo, a procuradora Jerusa Viecili envia uma gargalhada. A colega Laura Tessler questiona: “Dá pra gritar gol quando ele se ferrar? kkkkk”.

Viecili já havia sido exposta em 2019, quando vieram à tona diálogos de dois anos antes em que ela ironiza a morte de Marisa Letícia, esposa de Lula.

Em 3 de de fevereiro de 2017, a procuradora escreveu “Querem que eu fique pro enterro?”, e acrescentou um emoji sorrindo assim que um colega, Julio Noronha, publicou a notícia sobre a morte de Marisa.

Viecili pediu desculpas sobre o ocorrido dois anos depois, mas ressaltou que, ao reconhecer a autenticidade de uma mensagem específica, não estava atribuindo credibilidade ao conjunto dos diálogos vazados.

“OAS tem que mijar sangue”

Os procuradores da força-tarefa da Lava Jato discutiram, em 27 de agosto de 2016, a necessidade de endurecer as negociações com a empreiteira OAS antes de firmar uma acordo de delação premiada.

Semanas antes, a delação do então presidente da OAS, Leo Pinheiro, havia sido interrompida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) depois que a revista Veja publicou que um dos anexos da delação citava um dos ministros do STF, Dias Toffoli.

Na conversa, o procurador Diogo Castor de Mattos compartilha links de reportagens críticas à operação e afirma que estão “querendo jogar a sociedade contra a Lava Jato e distorcendo tudo”.

Um membro do grupo ainda não identificado responde: “Essa reportagem só me convence de que a OAS tem que mijar sangue para voltar para a mesa.” Ou seja, a empreiteira só conseguiria negociar novamente sob condições mais rígidas, a serem impostas pela operação.

A troca de mensagens ocorreu um ano antes da prisão de Lula.

A colaboração de Leo Pinheiro, depois de meses de negociação com a Lava Jato, foi considerada essencial para confirmar a condenação do ex-presidente Lula em primeira e segunda instâncias no caso “triplex”. Sem apresentar provas, o executivo disse que os recursos aplicados na obra do apartamento no Guarujá (SP) saíram de um caixa de propinas que teria como fonte de receita contratos firmados com a Petrobras.

O Ministério Público Federal (MPF) homologou o acordo, mesmo sem documentos que sustentassem tal acusação.

“O diálogo pode encaixar na tese do Lula”

Procuradores do MPF conversaram, em 13 de setembro de 2016, sobre a inclusão de um trecho obtido por meio de uma interceptação telefônica de Mariuza Marques, funcionária da empreiteira OAS e encarregada da supervisão do edifício no Guarujá.

“Pessoal, especialmente Deltan [Dallagnol, coordenador da força-tarefa], temos que pensar bem se vamos utilizar esse diálogo da MARIUZA, objeto da interceptação. O diálogo pode encaixar na tese do LULA de que não quis o apartamento. Pode ser ruim para nós”, escreveu Athayde Ribeiro Costa no grupo dos procuradores.

O diálogo a que Costa se refere é uma conversa telefônica entre Mariuza e uma interlocutora chamada Samara. O grampo é de 17 de novembro de 2015.

“A dona Mariza devolveu a cobertura, é isso?”, diz Samara. “É. Ela não quis pegar a cota dela. É isso mesmo”, responde a funcionária da OAS, desmontando a tese da Lava Jato que tirou Lula das eleições presidenciais de 2018.

“Concordo com Athayde. Eu não usaria esse diálogo, ao menos não na denúncia”, escreveu Jerusa Viecili, em resposta a Costa. Este, então, pergunta a opinião do procurador Julio Noronha, que concorda em omitir aquela parte da conversa.

“Detonar a imagem do 9”

No início de 2018, a procuradora Laura Tessler anunciou que pretendia elaborar uma nova denúncia contra o ex-ministro Antônio Palocci. “Talvez isso o anime um pouco mais”, escreveu aos colegas. Para a defesa de Lula, fica claro que o objetivo era forçar uma delação premiada que incriminasse o ex-presidente.

Os procuradores respondem a Tessler que as acusações de Palocci não tinham qualquer materialidade em relação a Lula, e ela insiste: “Sim… não tem corroboração nenhuma. Mas vai ser divertido detonar um pouquinho mais a imagem do 9.”

O petista, entre os membros da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, era frequentemente chamado de 9 ou nine, em inglês, em referência ao número de dedos em suas mãos. Lula perdeu o dedo mínimo da mão esquerda em um acidente de trabalho em 1964, quando trabalhava como metalúrgico.

Palocci, de fato, assina um acordo de delação premiada com a Lava Jato em abril de 2018 e apresenta denúncias sem provas contra Lula. A uma semana das eleições presidenciais daquele ano, com o petista preso e impedido de dar entrevistas, o então juiz Sergio Moro decidiu levantar o sigilo da delação, o que foi criticado até por membros da Lava Jato.

Dois meses depois, Moro seria anunciado como ministro da Justiça e Segurança Pública de Jair Bolsonaro, que derrotou o candidato Fernando Haddad (PT), apoiado por Lula, nas eleições 2018.

O habeas corpus em que a defesa do ex-presidente alega suspeição de Moro está na mesa do ministro Gilmar Mendes, do STF, desde o dia 4 de dezembro de 2018.