Publicado na Gazeta

POR ALINE NUNES E BRUNO DALVI
Diante do drama de uma criança de 10 anos grávida, após ter sido vítima de estupro, a família da menina foi pressionada por um grupo de religiosos para que ela não fizesse o aborto, procedimento que foi autorizado pela Justiça. Entre as pessoas que foram até a casa dos familiares da garota, uma mulher chegou a falar que “Deus permitiu” a gravidez. A situação se tornou insustentável, e a avó da criança passou mal. As visitas foram registradas em áudios e vídeo, aos quais A Gazeta teve acesso neste domingo (16). A Promotoria de Justiça vai investigar a atuação do grupo.
O caso ocorreu em São Mateus, no Norte do Estado, e, conforme depoimento da menina à polícia, ela engravidou. O tio é suspeito de abusar dela desde os 6 anos. A história ganhou repercussão, e a família acabou sendo procurada por religiosos que tentavam convencer a avó da criança que, por ser parente, teria condições de evitar o aborto, caso dissesse que não aceitaria o procedimento. Se assim fosse feito e a menina levasse a gestação adiante, seria atendida por uma equipe médica especialista em gravidez de risco.
Durante a conversa, as pessoas ainda afirmavam que o aborto seria um procedimento doloroso para a criança, que seria melhor um parto, e que haveria juízes cristãos dispostos a ajudar no processo para evitar a interrupção da gravidez. A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, também foi citada, como se o grupo tivesse proximidade com a representante do governo federal para intervir no caso.
Em um dos momentos, um homem diz que o feto não tem culpa, e a avó retruca que é uma “criança gerando outra criança”. Então, ela ouve: “Mas, se tem uma alma ali, foi Deus que colocou”. Ela se mostra inconformada com a declaração, e questiona: “Deus permitiu uma barbaridade dessa?” A resposta: “Permitiu”.
O promotor de Justiça Fagner Cristian Andrade Rodrigues, da Vara da Infância e Juventude de São Mateus, vai abrir investigação contra o grupo de pessoas que aparece falando nos áudios.
A difícil escolha íntima a cargo da família da vítima de violência não pode sofrer interferência política, religiosa ou de qualquer natureza. Trata-se de uma violação abominável aos direitos humanos.
É também do promotor a solicitação para a Justiça autorizar o aborto, uma vez que a gravidez é resultado de um estupro, e cuja decisão favorável saiu na sexta-feira (14). O juiz Antônio Moreira Fernandes, da Vara de Infância e Juventude, deu a ordem para fosse feita a “imediata análise médica quanto ao procedimento de melhor viabilidade para a preservação da vida da criança, seja pelo aborto ou interrupção da gestação por meio do parto imediato”.
A menina chegou a ser internada no Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes (Hucam), em Vitória, mas a equipe médica se recusou a realizar o aborto, apresentando como justificativa o tempo de gestação, que é de 22 semanas e quatro dias. Entretanto, a criança foi levada neste domingo (16) para Recife, em Pernambuco, onde uma unidade de saúde tem os protocolos para realizar o procedimento na idade gestacional atual.