Dana White teria coragem de demitir Royce Gracie?

Atualizado em 17 de outubro de 2014 às 17:10

A dispensa de Toquinho, correta ou não, realça a parcialidade com a qual o presidente do UFC trata seus atletas preferidos.

Toquinho na pesagem
Toquinho na pesagem

Rousimar Palhares, o Toquinho, foi demitido do UFC. O motivo? Atitude antidesportiva. Na sua vitória espetacular (não há outro adjetivo para descrevê-la) de quarta-feira no UFC de Barueri, em que derrotou o americano Mike Pierce em apenas 31 segundos de luta, Toquinho demorou a largar o pé do adversário, mesmo após a desistência deste (com os três tapinhas clássicos) e da intervenção do árbitro.

“Este é o segundo incidente que tivemos com o Palhares, em que ele tinha a chave de perna e não soltou”, disse o presidente da organização Dana White, referindo-se a um episódio semelhando de 2010 contra o polonês Tomasz Drwal, no UFC 111, que rendeu uma punição de 90 dias ao brasileiro. “No fim das contas, ele finalmente soltou. Mas vou cortá-lo. Ele está demitido.”

A decisão de Dana foi correta? É difícil dizer. A notícia dividiu os fãs do MMA. “Atleta indisciplinado não pode fazer parte da maior organização de artes marciais do mundo”, disse um leitor na sessão de comentários do site Tatame. “O verdadeiro problema é que o Dana não quer que as lutas acabem rápido, e o Toquinho é um cara convicto no que quer aplicar”, falou outro no Sportv Combate.

O agente do lutador, Alex Davis, admitiu que Toquinho errou. “Mas o Toquinho não é uma pessoa maldosa e não faz isso para machucar a outra pessoa”, frisou. “Ele não tem maldade no coração. Quem treina com ele todo dia ama ele. É uma excelente pessoa. Realmente a gente não pode discordar do fato de que, na adrenalina da luta, ele acabou passando do ponto.”

Se por um lado a punição de Toquinho é contestável, há um fato indiscutível nesta história: Dana White dá tratamento diferenciado aos seus atletas preferidos. Levando em consideração que o UFC é uma empresa privada, está no direito dele. Mas com o crescimento do UFC, que para muitos vai roubar – ou já roubou – o lugar do boxe, é preciso a organização ter um mínimo de imparcialidade na hora de tratar seus atletas para poder ser levada a sério.

Muitos brasileiros ficaram indignados com o fato de Frank Mir quebrar o braço do Minotauro (UFC 140) e Jon Jones apagar Lyoto Machida com uma guilhotina (no mesmo evento, por sinal) sem serem punidos. Esta é uma comparação equivocada, porém. Minotauro e Machida não se renderam durante o golpe. E quando o árbitro apartou, Jones e Mir não enrolaram para soltá-los.

Segundo Dana, “se você já assistiu a um evento do UFC, sabe que a camaradagem e esportividade são incríveis neste esporte.” Esta foi a sua justificativa para banir Toquinho. Mas será mesmo que a “camaradagem” e a “esportividade” reinam em sua organização? Ou ele apenas fecha os olhos quando seus atletas preferidos têm uma atitude controversa? Vamos a alguns casos.

1# Chael Sonnen: Dentro do octógono, o Sonnen não costuma se envolver em polêmicas. Mas fora dele, a história é outra. São tantas frases ofensivas que fica até difícil listar. Esta aqui resume o seu caráter: “Diga ao Anderson que vou bater na sua porta dos fundos, dar um tapinha na bunda de sua mulher e falar para ela me fritar um bife. Ao ponto, como eu gosto.” Onde está a “camaradagem” citada por Dana quando Sonnen chega até a falar da mulher dos adversários? Provavelmente ela fica ofuscada pelos dólares que o falastrão rende ao UFC.

2# Anderson Silva: Quando o Anderson de 2010 (um grande lutador, mas ainda sem a mítica que o envolve hoje) humilhou Demian Maia dentro do octógono, Dana afirmou: “Nunca estive tão constrangido. Isso foi uma desgraça. É sem dúvida o meu pior momento como presidente do UFC.” Agora em 2013, o mesmo Anderson repetiu a fórmula na luta contra Chris Weidman e perdeu. Desta vez, porém, Dana afirmou que ficou “sentido” com o resultado. Medo de criticar sua nova galinha dos ovos de ouro, talvez?

3# Dan Henderson: Lutando contra Michael Bisping, em 2009, Henderson soltou o seu famoso cruzado de direita no queixo do adversário. Bisping já caiu desmaiada e, ainda assim, Henderson mergulhou (literalmente) com os punhos na face do adversário desacordado. Seu comentário na entrevista pós-luta, dentro do ringue: “Quando isso acontece, não costumo dar um último soco”, disse. “Eu só queria calar a boca dele um pouco.”

Isso nos leva à seguinte pergunta: Dana teria coragem de demitir Royce Gracie, caso ele lutasse hoje no UFC? Royce foi para muitos o maior lutador da história da categoria. Ele ganhou as edições um, dois e quatro do UFC quando este ainda tinha formato de torneio. Apenas não levou a três também porque após a primeira luta, ficou exausto fisicamente e deixou a disputa. Nesta sua série invicta, todas as suas 11 vitórias foram por submissão.

Ele era um gênio maestro do jiu-jítso e encaixava seus golpes com maestria em adversários muito maiores do que ele. Na hora de soltar, porém, a história era outra. Luta após luta, Royce segurava seus rivais em guilhotinas e chaves de braço um bom tempo após eles se renderem. Era preciso o árbitro praticamente mergulhar em cima dele para convencê-lo a soltar o outro lutador. Dana baniria da sua organização um craque do calibre de Royce por razões disciplinares? Difícil imaginar isso acontecendo.

Minha opinião particular do caso? Achei exagerada a demissão de Toquinho. Uma multa? Sim. Um afastamento? Sim. Mas o banimento eterno do UFC me pareceu demais. Ainda mais com a desculpa de Dana White sobre a importância da “camaradagem” e a “esportividade” entre os lutadores. Se esta será a bandeira do MMA, acho ótimo. O problema é quando ela é aplicada apenas nos atletas com os quais Dana não simpatiza.