Dar as costas ao golpismo cafajeste de Bolsonaro é uma vitória da democracia que ele tenta destruir

 

Jair Bolsonaro é, ele mesmo, tudo o que aponta de errado no Brasil.

Seu discurso na Câmara em defesa da ditadura foi recebido de costas por deputados e manifestantes, que cantaram o Hino Nacional. Só teve tempo de dizer que os presentes “seriam torturados com algumas verdades”. Amir Lando, do PMDB de Rondônia, que presidia a sessão, interrompeu-a por falta de decoro. Lando chegou a reclamar que aquilo não era democracia.

Como não?

A humilhação de Bolsonaro é fruto da democracia que ele repudia em seu fascismo primitivista. E Bolsonaro só existe por causa dela. Só por causa dela, democracia, ele é livre para ofender e enxovalhar os inimigos que enxerga em sua paranóia.

Na saída do plenário, ainda brindou uma repórter da RedeTV com sua truculência. Ao ser questionado se houve golpe militar, xingou-a de idiota, analfabeta, ignorante e mandou-a entrevistar Luiza Erundina.

O discurso que Bolsonaro não proferiu cospe sobre torturados, mortos e suas famílias. “Foram 20 anos de pleno emprego, segurança e respeito aos humanos direitos”, diz a certa altura (a nota taquigráfica está em seu site).

Para seu eleitorado, que vive do medo como ele, passa por corajoso. Na verdade, é um covarde e um ex-terrorista — acusações que ele faz a torto e a direito. Em 1987, quando capitão, ficou famoso ao preparar um plano para explodir bombas em quarteis e outros locais no Rio de Janeiro. Um de seus alvos era a Adutora de Guandu, que abastece o estado.

Sempre falastrão, contou a uma repórter da Veja, na ocasião, que faria aquilo para “mostrar a insatisfação com os salários e criar problemas para o ministro Leônidas” [Pires Gonçalves, titular da pasta do Exército à época].

Chamado a dar explicações, negou tudo. Mas tinha deixado um croqui do tal plano com a jornalista. O que aconteceu? Nada. Foi absolvido, contra todas as provas. (Um ano antes, passara quinze dias em detenção por liderar uma manifestação por melhoria dos soldos sem a autorização de seus superiores. Também foi absolvido.)

Platão dizia que a ditadura surge da democracia e as piores formas de tirania e escravidão vêm da mais plena liberdade. Virar as costas para Jair Bolsonaro não é nada perto do que um golpista cafajeste e psicótico como ele seria capaz se tivesse os meios — mas é uma vitória para qualquer democrata.

Kiko Nogueira

Diretor do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.

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