David Bowie, Justin Bieber e a arte que não envelhece

Atualizado em 5 de março de 2013 às 18:50

O que o disco novo de um gênio sexagenário poderia ensinar ao maior ídolo teen do mundo.

Bowie, 66
Bowie, 66

O que determina a sobrevivência da arte de alguém? O que determina sua decadência? Como distinguir entre alguém que vai sumir no ano que vem de alguém que será ouvido, lido e imitado por muito tempo?

David Bowie e Justin Bieber são dois lados dessa moeda de Jukebox. Bieber é um garoto de 19 anos que vende milhões de discos e é alvo da obsessão de exércitos de meninas que não hesitam em partir para cima de detratores ou não-simpatizantes. São as beliebers, que o seguem no Twitter (35 milhões) e ficam histéricas diante de sua presença. Ontem, Bieber passou pelo desprazer de ver parte dessas admiradoras o vaiarem por causa de um atraso de duas horas em seu primeiro show na O2 Arena, em Londres.

Não têm sido dias fáceis para ele. Semanas atrás, paparazzi o flagraram fumando o que parece ser um baseado. Seu aniversário foi um fiasco. A entourage não pôde entrar num nightclub por causa do limite de idade. Acabaram no McDonald’s.

O ciclo de vida de um ídolo teen é curto. Como disse uma jornalista, é como a maturação e a morte de uma borboleta. Tudo filmado e fotografado, como num documentário do Discovery Channel. Como será quando a voz dele engrossar e as espinhas aparecerem? E quando aparecerem os pelos de barba? Quando as garotas vão se apaixonar pelo próximo rapazote ou boy band que a indústria inventar?

A culpa não é totalmente dele. Bieber está tentando ganhar seu dinheiro honestamente. Provavelmente, sabe que vai desaparecer, por mais bobo que seja ou finja ser – e não vai demorar muito.

Talvez isso já tenha atravessado a cabeça de Bieber, mas ele poderia olhar para David Bowie.

Bieber,19
Bieber,19

Bowie já foi um ídolo adolescente. Seu primeiro single, Liza Jane, foi lançando quando ele contava 17 anos, em 1964. Fracassou redondamente. O sucesso só veio de fato em 1972, com Ziggy Stardust and the Spiders From Mars. O resto, como diz o clichê, é história.

Aos 66, Bowie acaba de lançar seu novo álbum, The Next Day. É um retorno brilhante depois de 10 anos de silêncio e um ataque cardíaco. Tem uma urgência que seus trabalhos imediatamente anteriores não tinham (medo da morte?). Baixo, guitarra, bateria, um saxofone meia-boca e teclados do chapa Tony Visconti, também produtor. Tem atmosfera, mas sem muita afetação. É maduro e, em certo sentido, nostálgico: da capa às letras e à sonoridade, remete ao período na Berlim pré-queda do Muro, em que gravou uma trilogia de álbuns marcantes – Low, Heroes e Lodger.

Ele fala da cultura de celebridades em The Stars (Are Out Tonite) — cujo vídeo é sensacional e, de quebra, acaba com as dúvidas mundiais sobre se Bowie e a atriz esquisita Tilda Swinton eram a mesma pessoa. Em How The Grass Grow, aborda a questão dos genocídios étnicos, com corinhos dos anos 60. Em You Feel So Lonely You Could Die, além de citar Yer Blues, dos Beatles, canta os versos pessoais e reflexivos: “Oblivion shall own you / Death alone shall love you” (“O esquecimento vai se apoderar de você / Só a morte o amará”).

Eu não cometeria o desatino de comparar os dois musicalmente. Bieber, para todos os efeitos, faz hits bem produzidos e não encheria seus concertos se não agradasse ninguém. Mas meu amigo Pedro Cohn tem razão: ele não tem ambições artísticas? Será que sua mãe não lhe dá uns conselhos? Ou ela está muito ocupada contando os tostões?

Se o pequeno Justin pudesse ouvir uma única coisa de Bowie, que fossem esses mesmos versos libertadores: “O esquecimento vai se apoderar de você / Só a morte o amará”.

Dedicado a Davi Nogueira, 12 anos, fã de Neil Young.