De Lalau a Manoel Calças, o poder judiciário é uma festa. Por Carlos Fernandes

Atualizado em 6 de fevereiro de 2018 às 18:45
O desembargador Manoel Pereira Calças

O novo presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, verbalizou, menos por ironia do que por sinceridade, o que realmente pensa a casta do poder judiciário brasileiro.

Questionado sobre a farra do auxílio-moradia pago aos mais bem pagos funcionários públicos do país, o exemplar espécime de nossa magistratura não titubeou: “acho muito pouco”.

Sem vergonha, não se furtou de admitir que possui não um, mas vários imóveis. Tal qual o seu colega de Curitiba, Sérgio Moro, não considera o recebimento antiético e afirma tratar-se tão somente de um “salário indireto”. O “jeitinho brasileiro” por assim dizer.

É um escárnio, mas Calças faz o que faz porque sabe que a sua condição assim o permite. Achincalha todo o país porque juízes, promotores e procuradores, no Brasil, tornaram-se semideuses imunes às próprias leis.

Protegidos pela inépcia e pelo corporativismo dos Conselhos Nacionais de Justiça e do Ministério Público, são livres para interpretar e aplicar a lei ao seu bel prazer, sob medida e conveniência a depender do réu, beneficiando ou prejudicando dada sua afinidade pessoal, política ou econômica.

Uma verdadeira festa que vem sendo dada há muito tempo à custa de recursos públicos, negociatas espúrias, tráfico de interesses e recompensas muitas vezes indevidas e inadequadas.

Numa longínqua tradição de delinquência civil, penal, moral e ética, presidentes dos tribunais de justiça país afora vem refletindo e reverberando, em maior ou menor grau, os exemplos advindos acima e abaixo de seus graus de jurisdição.

Se por um lado absolveram as práticas mais reprováveis de juizecos de primeira instância que vivem hoje mais de holofotes do que de jurisprudências, por outro, se sentem terminantemente confortáveis ao serem confrontados com os exemplos oriundos do apogeu do direito.

Não há muita esperança quando a justiça se transforma num vale desolado onde o presidente do TST é um fanático religioso como Ives Gandra, quando a presidência do TSE é passada de um sujeito como Gilmar Mendes a outro sujeito como Luiz Fux e o STF é presidido por ninguém menos do que Carmen Lúcia, um retrato desbotado da incompetência e da inaptidão.

Daí a aparecerem novas versões de juízes como Nicolau dos Santos Neto (que roubou cerca de R$ 170 milhões da construção do Fórum Trabalhista de São Paulo) e Osvaldo Cruz e Rafael Godeiro (desembargadores do TJRN envolvidos na fraude dos precatórios) é um pulo.

E isso não é um exagero.

No que pese a sua forma mais “branda” e sua suposta previsão na lei da magistratura nacional, verbas como auxílio-moradia destinadas a funcionários públicos que gozam dos maiores privilégios da República num país onde desempregados e sem-tetos somam-se aos milhões, não é só uma injustiça, é um crime hediondo.

Ainda mais se praticados por aqueles que hipocritamente posam de heróis nacionais a combaterem a corrupção e o desvio de dinheiro público.

Pagar altos auxílios a quem já tem tudo enquanto falta verbas para a saúde e educação representaria o que para essa gente?

O que o senhor Calças chama de “pouco”, de outubro de 2014 a novembro de 2017 surrupiou dos cofres públicos R$ 1,3 bilhão, segundo levantamento efetuado por uma consultoria do Senado.

Na contramão, investimentos com saúde e educação caíram 3,1% somente em 2017. E esse é apenas um exemplo.

Não é preciso dizer aqui que nem tudo que é legal é legítimo. Pagar auxílio-moradia para sujeitos que possuem imóveis de luxo nas cidades onde trabalham é no mínimo injusto, indecente e imoral.

Essas pessoas deveriam ser processadas judicialmente por crime de peculato. A pena decorrente desse processo, seja ela qual fosse, é que seria sim, “muito pouca”.