De “macaca” a “heroína”, quantos que ontem xingaram Rafaela Silva hoje a bajulam? Por Marcos Sacramento

Atualizado em 11 de agosto de 2016 às 3:17
Rafaela Santos
Rafaela Santos

 

Neste momento o país aplaude a glória de uma mulher negra e ex-favelada. Mas não se iludam. A euforia diante do ouro da judoca Rafaela Silva não pode ser considerada um trunfo sobre o racismo.

Se a história fosse diferente, com a vitória da adversária Dorjsürengiin Sumiya nos segundos finais da luta, Rafaela estaria agora sendo ofendida com xingamentos alusivos à sua cor da pele.

Foi assim durante os Jogos Olímpicos de Londres, em 2012. Na época, Rafaela era uma das esperanças de medalha da delegação brasileira, expectativa frustrada por um golpe ilegal da judoca que levou à sua desclassificação precoce.

A reação de uns torcedores canalhas foi atacá-la nas redes sociais com xingamentos racistas que a levaram à depressão e a considerar largar o esporte. “Macaca” foi o mais gentil.

Naquela hora, todas as qualidades de Rafaela Dias foram ignoradas. O esforço e o talento necessários para disputar uma Olimpíada aos 20 anos de idade, as dificuldades financeiras da família e o estigma por ter nascido na comunidade empobrecida e violenta da Cidade de Deus, nada disso teve importância frente à ausência de uma medalha.

Hoje tudo isso é reconhecido. O perfil da atleta, pontuado por episódios de superação que seduzem a audiência, prolifera pela internet. Esteve no Jornal Nacional, onde foi bajulada por Galvão Bueno.

É bem capaz de aparecer no Domingão do Faustão ou ajudando Luciano Huck a ganhar audiência.

Por enquanto é a esportista mais querida do país, mas quantos que agora a idolatram a xingaram quatro anos atrás? Ou quantos estariam vomitando impropérios se a vencedora da luta fosse a judoca da Mongólia?

Prodígio do esporte, Rafaela não levou ouro por sorte ou imperícia das adversárias. Revelada pelo Instituto Reação, do judoca Flávio Canto, tem um currículo vencedor: conquistou medalha de bronze nos Jogos Pan-americanos de Toronto em 2015, prata no Pan de Honduras em Guadalajara e medalha de ouro no Mundial de 2013.

Mas é mulher negra. Basta que deixe de vencer para retornar à invisilidade, porque a grande mídia, assim como o brasileiro médio, dá valor apenas aos vencedores. “Só fortalece quem tem mais”, como cantou Mr. Catra.

Que ela aproveite o momento, mas não se deixe enganar pelos sorrisos que anda recebendo.