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De onde virá a reação à entrega do país ao capital estrangeiro? Por Marcio Pochmann

Texto publicado na RBA.

Por Marcio Pochmann.

Desde o estabelecimento das primeiras bases do projeto nacional de desenvolvimento voltado à industrialização nacional, a partir da Revolução de 1930, se estruturou, em oposição, a visão e ação político-ideológica do entreguismo. Seu objetivo fundamental sempre foi o de manter o estilo de reprodução da sociedade elitista associada aos interesses internacionais e em oposição aos interesses do conjunto dos brasileiros.

Logo na década de 1940, por exemplo, o entreguismo se viabilizou na vertente do liberalismo de Eugênio Gudin em defesa do modelo primitivo de sociedade agrarista instalado pelos portugueses desde 1500. Resgatava, assim, o espírito atrasado que se impôs ao país, tanto no reinado de D. Pedro II, ao sufocar a emergência industrialista do Barão de Mauá entre as décadas de 1850 e 1870, como na República Velha (1889-1930) conduzida pelas elites agraristas a enterrarem o projeto positivista de modernização nacional.

Diante da campanha do “o petróleo é nosso”, logo no início da década de 1950, o movimento em defesa da desnacionalização sistemática do sistema produtivo em prol do protagonismo dos capitais estrangeiros (de empresas multinacionais às corporações transnacionais) estabeleceu sua dimensão nacional. Dessa forma, promovia o constrangimento crescente às forças do desenvolvimento brasileiro e a prevalência do status quo das elites e dos governos de natureza entreguista.

Atualmente, pelo governo Temer, a entrega ao capital internacional para domínio e exploração tanto das riquezas como dos empreendimentos e projetos nacionais retomou com força inegável. O Brasil joga fora, por exemplo, toda a estratégia da soberania e do protagonismo fundados em novas bases desde o início dos anos 2000.

A começar pela desestruturação do sistema nacional de defesa, com o desmonte do programa nuclear brasileiro, a entrega da base espacial de Alcântara, no Maranhão, enquanto melhor local de lançamento de satélites, e o fim do projeto de produção, com tecnologia compartilhada, do avião militar de caça no Brasil. A venda da Embraer, o terceiro maior conglomerado aeroespacial do mundo, para a Boeing tornou-se mais um prego no caixão que enterra a soberania nacional.

No mesmo sentido, o processo de privatização da Petrobras e a imediata entrega da exploração das reservas de petróleo na camada do pré-sal, avaliadas em um trilhão de dólares, por apenas 20 bilhões de reais, para as empresas estrangeiras (Chevron e Shell). Em consequência, a pá de cal na indústria naval que havia sido reconstituída recentemente pela demanda de estaleiros através da Petrobras na inédita e ousada exploração do petróleo na camada do pré-sal.

O anúncio da legalização ao uso do herbicida Glifosato, proibido na Europa, para a Monsanto e toda a migração do sistema de informática assentado em código aberto no governo federal desde 2003 para somente produtos da Microsoft eleva os gastos públicos em 140 milhões ao ano e destrói a segurança nacional das informações do governo brasileiro. Na mesma toada, o movimento de entrega da Eletrobrás por 20 bilhões de reais, ainda que possa valer R$ 370 bilhões, a desconstituição das maiores empresas privadas de engenharia nacional e o ataque às grandes empresas brasileiras produtoras de proteína animal.

A asfixia no financiamento do Estado pela Emenda Constitucional 95, o desmonte das políticas de desenvolvimento nacional e das políticas sociais e trabalhistas, patrocinadas por tantas reformas, como a trabalhista e a ainda em pauta previdenciária, indicam o quanto o condomínio de interesses que dirige o país não produziu o golpe de 2016 apenas para sustentar o moribundo governo Temer.

Precisa, ainda, inviabilizar a candidatura Lula e desconstruir a viabilidade de o Partido dos Trabalhadores, pelo regime democrático, interromper o êxito entreguista.

Dessa forma, talvez, possam estar fomentando, contraditoriamente, o renascimento do mesmo espírito varguista de 1930 que ao perceber a impossibilidade da disputa pela via democrática, não aceitou o resultado e liderou a revolução que libertou o Brasil do entreguismo da República Velha. Seria essa uma possibilidade de pôr fim ao golpe de 2016 que interrompeu o ciclo da República Nova?

Com a palavra as personalidades que dirigem as instituições da República, uma vez que possuem a responsabilidade histórica de, neste momento, garantir ou não a continuidade da tenra democracia brasileira.

*Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas.

Diario do Centro do Mundo

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