
O Supremo Tribunal Federal (STF) viveu nesta quinta-feira (11) um dia carregado de simbolismo histórico. O voto da ministra Cármen Lúcia consolidou maioria na Primeira Turma para condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por tentativa de golpe de Estado e outros quatro crimes relacionados aos ataques de 8 de janeiro de 2023. Mais do que o avanço jurídico, o episódio ficou marcado pela coincidência com os 52 anos do golpe militar no Chile, em 11 de setembro de 1973, exaltado pelo próprio Bolsonaro em diferentes momentos de sua carreira política.
O 11 de setembro chileno se tornou símbolo do autoritarismo na América Latina. Naquele dia, forças militares chilenas, com o apoio dos Estados Unidos, bombardearam o Palácio de La Moneda, em Santiago, derrubando e causando a morte do presidente Salvador Allende e instaurando uma ditadura de 17 anos sob o comando de Augusto Pinochet.
O regime deixou mais de 40 mil vítimas de perseguição política, entre mortos, desaparecidos e torturados. Bolsonaro, ainda como deputado, chegou a declarar em 1998: “Pinochet fez o que tinha que ser feito. Ele matou muita gente, mas colocou ordem no Chile”.
Ao mesmo tempo, a data também remete aos ataques de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, quando a Al-Qaeda derrubou as Torres Gêmeas e atacou o Pentágono. O episódio desencadeou duas décadas de guerra no Afeganistão, liderada pelos estadunidenses. Essa sobreposição de acontecimentos reforça a dimensão simbólica do julgamento no Brasil, ocorrido justamente em um 11 de setembro.
O histórico brasileiro é diferente de outros países sul-americanos. Em 1979, a Lei de Anistia perdoou crimes políticos tanto de militares da ditadura (1964-1985) quanto de opositores armados. O caminho foi distinto do adotado por Argentina, Uruguai e Chile, que puniram agentes de Estado responsáveis por perseguições e assassinatos durante seus regimes autoritários.

Nesse contexto, a eventual condenação de Bolsonaro pode representar um marco de ruptura com a tradição de impunidade para golpistas no país.
A condenação do ex-presidente foi selada justamente pela manifestação de uma ministra mulher, algo que adiciona uma segunda camada de simbolismo ao julgamento. Bolsonaro construiu sua trajetória com falas machistas e misóginas, como quando disse à deputada Maria do Rosário (PT-RS) em 2003 que ela “não merecia ser estuprada”, ou quando, já presidente, insinuou ofensas sexistas contra a jornalista Patrícia Campos Mello.
Também declarou que mulheres “têm que ganhar menos” e minimizou sua participação política, além de se referir à quinta filha, Laura Bolsonaro, uma “fraquejada” por ser a única menina após quatro homens. Agora, sua derrota judicial poderá ser confirmada por Cármen Lúcia, magistrada com histórico de defesa da democracia e dos direitos fundamentais.
O julgamento trata de acusações graves: abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe, incitação às Forças Armadas, associação criminosa e ameaça ao funcionamento das instituições republicanas.
Alexandre de Moraes, relator do caso, Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma do STF, votaram pela condenação de Bolsonaro em todos os crimes. Apenas Luiz Fux votou contrário.