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De que vale Crivella pedir perdão se sua igreja ainda repete barbaridades sobre negros e gays? Por Sacramento

 

Ele

 

Marcelo Crivella pode pedir desculpas pelo que escreveu no passado, mas sua relação umbilical com a Igreja Universal o impede de se desvencilhar do livro “Evangelizando a África”.

A obra assinada por ele relata os dez anos em que viveu no continente africano e revela em alguns trechos o seu preconceito contra homossexuais e intolerância a religiões africanas.

Sobrinho de Edir Macedo, Crivella é bispo licenciado da Igreja Universal. Por mais que ele culpe a imaturidade dos seus 42 anos, idade que tinha quando o livro foi editado, o pensamento atual da sua igreja ratifica as palavras da obra, que “parece ter sido condenada à clandestinidade”, conforme a matéria de O Globo que tirou o livro do limbo.

No livro, publicado em inglês em 1999 com o título “Mutis, Sangomas and Nyangas: Tradition or Witchcraft?” (“Mutis, sangomas e nyangas: Tradição ou feitiçaria?”) e lançado no Brasil três anos depois, Crivella diz que a homossexualidade é provocada por espíritos demoníacos e pode inclusive ser passada de pai para filho.

Religiões africanas, espiritismo e hinduísmo abrigam “espíritos imundos”. Nem a Igreja Católica escapa, acusada na obra de pregar “doutrinas demoníacas”.

Crivella poderia pedir para que esqueçam o que ele escreveu se esse pensamento torto fizesse parte do passado da IU. Porém não é difícil encontrar na página da igreja textos com ideias idênticas às do livro “Evangelizando a África”.

Como um com o título “Entenda como agem os espíritos enganadores”. Após uma longa introdução com passagens da Bíblia, atacou a tradição de católicos, umbandistas e adeptos do candomblé de distribuir balas nos dias de São Cosme e São Damião.

“Quase todos os países do mundo têm estimulado a prática de comer coisas sacrificadas aos ídolos. Os nomes e as figuras dos “santos” variam, mas a prática é a mesma. A obediência é ao mesmo diabo, e a desobediência é ao Único Deus Vivo e Verdadeiro.

No Brasil, por exemplo, temos várias festas católicas que estimulam esse hábito. No dia 27 de setembro é comemorado “Cosme, Damião e Doum”. Nesse dia, é costume dos católicos se mesclarem com os adeptos de outras religiões, inclusive da umbanda, quimbanda e candomblé, e, juntos, oferecerem bolos, doces e balas para todas as crianças da vizinhança em homenagem àqueles “santos” da Igreja Católica”.

O texto chega a causar risos de tão patético, mas uma publicação da Folha Universal de 1999 provocou efeitos mais dolorosos.

Na época, o jornal publicou uma matéria com a manchete “Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes”. Como foto de capa estava a Iyalorixá Gildásia dos Santos e Santos, a Mãe Gilda, ativista social e fundadora de um terreiro de candomblé em Salvador.

Após a publicação da matéria, no mês de outubro, o terreiro foi invadido e depredado por fanáticos evangélicos. Em janeiro de 2000, Mãe Gilda não suportou o desgosto provocado pelas agressões e morreu de enfarte.

Casos de intolerância como o que provocou a morte de Mãe Gilda são relativamente comuns.

Em 2015 uma mãe de santo de 90 anos de idade, da cidade de Camaçari, na Bahia, enfartou e morreu após membros de uma igreja evangélica passarem a madrugada orando em frente à sua casa com a justificativa de expulsar os demônios que ali estariam.

No mesmo ano a menina Kaylane Campos, de 11 anos, foi atingida por uma pedrada na cabeça quando andava por uma rua do Rio de Janeiro vestindo roupas do candomblé, religião da qual é adepta.

Dos 1.014 casos de ofensas, abusos e atos violentos de intolerância religiosa registrados no Rio de Janeiro entre 2012 e 2015,  70% são contra praticantes de religiões de matrizes africanas.Em Brasília, somente no ano passado 13 terreiros de Candomblé foram queimados.

Seria leviano colocar todos esses casos na conta da IU, mas não há como negar que a igreja do Crivella seja um dos catalizadores dos atos de intolerância contra as religiões de matriz africana.

Uma cruzada, aliás, que revela o racismo contra os negros, pois seguidores de crenças como budismo e judaísmo são poupados da fúria dos abençoados.

Assim, a única saída para Crivella se livrar da sombra do livro que agora o persegue é abandonar a IU. Como não fará isso, a solução que encontrou foi admitir as próprias imperfeições.

“Sou candidato a prefeito, não a perfeito. Perfeito só Deus”, escreveu na nota enviada à imprensa após a divulgação do livro.

Faltou mencionar que “perfeito só Deus, desde que Cristão e neopentecostal”.

 

Marcos Sacramento

Marcos Sacramento, capixaba de Vitória, é jornalista. Goleiro mediano no tempo da faculdade, só piorou desde então. Orgulha-se de não saber bater pandeiro nem palmas para programas de TV ruins.

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