Decepcionada com igreja evangélica, missionária brasileira vira chef na África do Sul

Atualizado em 22 de dezembro de 2019 às 20:49

Publicado originalmente na RFI

Maria da Conceição Lima da Silva tem 48 anos e há 11 trocou Natal por Joanesburgo. Deixou no Brasil seis filhos, 13 netos, a mãe, amigos e outros parentes para ser missionária evangélica na Cidade do Ouro. O projeto foi cheio de contratempos, mas, em compensação, possibilitou que ela abrisse uma microempresa de gastronomia.

Conceição estudou pouco, trabalhou muito, teve filhos muito jovem e quase nenhuma ajuda dos companheiros. O emprego mais constante foi o de empregada doméstica. Para completar o salário, fazia catering, sua paixão.

Em Natal, participava da comunidade da igreja evangélica do seu bairro. Até que soube da possibilidade de realizar missões em outros países. Começou a pensar em sair do Brasil, em busca de uma vida melhor.

Em 2008, soube que a congregação precisava de um chef de cozinha em Joanesburgo. O trabalho era tomar conta do Centro de Aperfeiçoamento para Pregação do Evangelho (Ceape). Sem falar inglês, se tornou uma espécie de faz tudo: faxineira, cozinheira e governanta do centro.

O pacote incluía somente passagem e moradia no trabalho – não previa aulas de inglês, plano de saúde, transporte, permissão de trabalho, pagamento ou ajuda de custos.

Os futuros missionários estudavam a Bíblia, interpretação dos seus textos e treinavam falar em público. A maioria dos noviços pagava o dízimo e ainda tinha que contribuir com as contas de água, luz, internet, alimentação etc. “Eu vim somente com a fé. Não pagava dízimo, mas trabalhava muito e não tinha dinheiro para nada”, relembra.

Decepções com a igreja

Com visto de turista, acabou visitando países como Botsuana, Moçambique e Suazilândia. E em 2010, chegou a retornar ao Brasil, onde ficou somente seis meses. Ao voltar a Joanesburgo, preferiu não procurar mais a igreja, abalada por desavenças entre os irmãos do Brasil e da África do Sul. “Vim somente com a coragem e a certeza de que tinha alguma chance no país. Por isso insisti”, afirma.

O primeiro trabalho na África do Sul foi em uma fábrica de salgados de um português. Depois, uma colega portuguesa propôs abrir um negócio de comida – Conceição topou na hora, mas logo percebeu que fazia tudo e ganhava uma miséria.

“Então comecei a trabalhar para mim. Passei a frequentar o grupo das brasileiras na África do Sul. Assim, as pessoas foram me chamando e surgiu o ‘Lar das Delícias’, que hoje é ‘Sabores, Great Gastronomy’”, conta a brasileira, que tem entre os clientes as embaixadas do Brasil, do México, da Argentina e da Holanda.

Exploração

A experiência fez com que, hoje, Conceição seja crítica ao trabalho missionário. Em geral, afirma, os candidatos não sabem exatamente o que os espera. No exterior, se deparam com problemas básicos.

“As pessoas hoje ganham dinheiro através da palavra de Deus. Acho isso o cúmulo do absurdo!”, avalia. “Mas a minha fé continua maior do que antes, porque se não fosse Deus, eu não estaria na África do Sul e nem teria o que tenho: ou respeitada pelo meu trabalho e a qualidade de vida que tenho, não encontro no meu país.”