Decisão que absolveu Lula em Brasília reforça tese de que Lula não poderia ter sido condenado no caso do triplex. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 13 de julho de 2018 às 11:11
Lula. Foto: Miguel Schincariol | AFP

A absolvição do ex-presidente Lula no processo por obstrução de Justiça que tramita em Brasília está levando a tropa de choque da Lava Jato na velha imprensa a usá-la como álibi para legitimar as ações de Sergio Moro.

O comentarista da Globonews Gerson Camarotti disse:

“Eu acrescentaria a essa decisão de hoje o seguinte ponto: você, quando tem que inocentar, inocenta. Você tem ali a defesa do ex-presidente Lula dizendo que há perseguição do ex-presidente Lula na Justiça, não é assim. Teve sim uma condenação na primeira instância, foi confirmada na segunda instância, e quando não há provas está sendo inocentado. Isso é importante ser dito também.”

Estranho que ele use o pronome você (poderia dizer eu) para se referir ao Judiciário, mas este não é o ponto principal. O ponto é, e será sempre:

Qual é a prova que fundamentou a condenação de Lula a uma pena de 12 anos e um mês de prisão?

É a palavra de um réu no processo em que Lula foi condenado: Leo Pinheiro, ex-presidente da OAS.

Foi ele quem disse que o triplex do Guarujá estava reservado para Lula.

Afirmou que esta seria a contrapartida por vantagens no governo federal, especialmente em contratos na Petrobras.

Que prova apresentou de que falava a verdade?

Nenhuma.

Repetindo: nenhuma.

Leo Pinheiro fez a “confissão” na condição de réu, não de delator, o que não é uma diferença insignificante.

Como réu, o ex-presidente da OAS pode mentir. Como delator, em tese, não, sob pena de perder benefícios.

Mas, ainda que não tenha assinado termo de colaboração, teve a pena reduzida por Moro e os desembargadores da 8a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4a. Região.

Os magistrados consideraram que Leo Pinheiro merecia o benefício por ter colaborado, ainda que não na condição de delator.

Estranho, mas foi assim. Caminhos tortuosos que só a Lava Jato explica.

Em estados democráticos de direito, a palavra de um co-réu jamais pode ser levada em consideração para condenar quem quer que seja.

Por uma razão simples: réu pode mentir.

Se a palavra de Leo Pinheiro teve peso relevante para formar a convicção dos magistrados do sul do país, as provas da inocência de Lula foram desprezadas ou sequer recebidas.

Exemplo: como Lula poderia ser beneficiário de um imóvel que estava dado em garantia em operações de crédito e em um processo de recuperação judicial?

Moro indeferiu o depoimento de João Vacari Neto, ex-tesoureiro do PT, citado por Leo Pinheiro como intermediário do alegado acerto escuso para reservar o triplex a Lula.

Lula ou família nunca passaram uma noite sequer no apartamento.

Nem tinham as chaves.

Eram donos formalmente de uma cota do condomínio, mas queriam receber o dinheiro de volta e, para isso, entraram na Justiça.

Funcionários da OAS disseram que a reforma do apartamento foi feita com o objetivo de tornar o apartamento (muito simples, para o padrão triplex) atraente para o comprador — nem sabiam que o “cliente em potencial” era Lula.

Enfim, se a balança usada pelos juízes que condenaram Lula levasse em consideração o peso das provas e indícios, não haveria dúvida da absolvição de Lula.

Mas não foi assim.

Em Brasília, no processo que teve como base a delação do ex-senador Delcídio do Amaral, a falta de provas foi determinante para o juiz fundamentar a decisão.

Assim deveria ter ocorrido em Curitiba.

Na dúvida, ninguém pode ser condenado, porque, em um mundo civilizado, é preferível ter um criminoso em liberdade do que um inocente preso.

Quando Camarotti diz que a decisão de Brasília “absolve” a Justiça, ele comete alguns equívocos que precisam ser explicitados:

A defesa de Lula não diz que o ex-presidente é um perseguido da Justiça no sentido genérico: ela aponta para seus alvos: em particular, Moro, o magistrado que se tornou parte no processo.

Se entendesse que a perseguição é do Judiciário como um todo, por que os advogados recorreriam?

Pelo forma como foi conduzido e pela velocidade incomum com que se chegou a um veredito de segunda instância, tem que ser muito ingênuo ou mal intencionado para dizer que o processo contra Lula no sul do país tramitou como um caso comum.

Lula foi tirado de circulação quando se iniciavam os movimentos de rua com vistas à eleição presidencial e condenado de forma que se invocasse sua inabilitação para se candidatar, com base na lei da ficha limpa.

Agora, a prevalecer a decisão de uma juíza de primeira instância de Curitiba, responsável pela execução penal, nem entrevista pode dar.

Uma injustiça flagrante, se se comparar Lula com qualquer outro preso, como Marcinho VP, Fernandinho Beira-Mar ou Suzane Richthofen, que puderam dar entrevista.

O juiz Ricardo Leite, da 10ª Vara da Justiça Federal em Brasília, agiu com base na lei para absolver Lula e mais seis, entre os quais o banqueiro André Esteves.

Há quem diga que, tendo que absolver o banqueiro, ele não poderia simplesmente condenar Lula e livrar Esteves.

Mas vamos acreditar que agiu com base estritamente no direito.

O que parece estar fora de dúvida é que não é a lei que tem amparado no núcleo paranaense da Lava Jato.

Como justificar a condenação sem prova, a mordaça e a ausência de outros direitos a Lula, como habeas corpus?

Parece haver empenho pessoal para que Lula desapareça da vida pública, pelo menos até depois da eleição presidencial.

Espera-se que a correta decisão de Ricardo Leite não seja usada como biombo para esconder a injustiça praticada pelo núcleo central da Lava Jato.

Preferível acreditar que ainda há juízes no Brasil, como havia juízes em Berlim, no reinado de Frederico II, o Grande, no longínquo século XVIII.

Na época, quando o imperador prussiano tentou forçar a compra de um terreno para ampliar a área de seu palácio, o proprietário não quis vender.

Frederico II teria dito que, se quisesse, nem precisaria comprar, mas simplesmente desapropriar. O dono, um homem simples, lembrou:

“Isso seria verdade, se não houvesse juízes em Berlim”.

Frederico II, o Grande, recuou.

A frase é usada para demonstrar que, até sob o regime do arbítrio, existem juízes.

O problema no Brasil é que o arbítrio parece justamente vir de alguns juízes que se protegem.

Nesse caso, quem vai nos proteger dos abusos?

A decisão do juiz em Brasília mostra que ainda há esperança.