Decisão que liberou ação no Rio cita invasão do CV em áreas da milícia

Atualizado em 30 de outubro de 2025 às 8:25
Moradores protestam contra o governador Cláudio Castro. Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress.

A decisão da 42ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, que deu origem à Operação Contenção, deflagrada na terça-feira (28), detalha a estrutura hierárquica e armada do Comando Vermelho (CV) nas comunidades do Complexo da Penha e áreas próximas. O documento, assinado pelo juiz Leonardo Rodrigues da Silva Picanço, aponta o uso sistemático de tortura, controle armado de moradores e a expansão violenta da facção em territórios dominados por milícias.

O magistrado decretou a prisão preventiva de mais de 60 suspeitos, entre eles Edgar Alves de Andrade, o Doca ou Urso, apontado como principal liderança do CV no estado, e Pedro Paulo Guedes, o Pedro Bala. A operação resultou em uma chacina com 121 mortos, segundo dados oficiais do governo Cláudio Castro (PL).

A decisão também cita como integrantes da cúpula da facção Carlos da Costa Neves (Gardenal), Washington César Braga da Silva (Grandão ou Síndico da Penha) e Juan Breno Malta Ramos Rodrigues (BMW). A reportagem não conseguiu contato com as defesas.

Segundo a decisão, a ação penal se baseia em inquérito da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE), instaurado após uma denúncia anônima em janeiro de 2024 que relatava uma reunião de líderes do CV na Penha para planejar a expansão territorial. As mensagens e vídeos coletados pela investigação revelaram a divisão interna da organização: líderes estratégicos, operadores financeiros, gerentes do tráfico e soldados armados que mantinham o controle sobre as comunidades.

“Os elementos de convicção deixam revelar indícios suficientes de autoria e prova da materialidade dos crimes de tortura e associação para o tráfico de drogas, praticados com emprego de arma de fogo e envolvendo adolescentes”, escreveu o juiz.

Interceptações telefônicas mostraram que Doca determinava “a dinâmica do tráfico de drogas no Complexo da Penha e comunidades adjacentes, inclusive sobre venda e guarda de drogas, armas de fogo de grosso calibre e contabilidade da facção criminosa”.

Doca, líder do CV, segue foragido. Foto: reprodução

De acordo com o Ministério Público, Doca contava com três homens de confiança: Pedro Bala, Gardenal e Grandão. Gardenal era o chefe operacional e articulava a expansão violenta do CV em Jacarepaguá. Ele aparecia em vídeos ostentando armas, carros de luxo e dinheiro, além de coordenar grupos de WhatsApp que definiam escalas de segurança e repassavam ordens.

Grandão, gerente geral do tráfico na Penha, controlava pagamentos e turnos de soldados armados, além de manter contato direto com um oficial da Polícia Militar que teria pedido ajuda para recuperar um carro roubado.

BMW, segundo o juiz, liderava o chamado “Grupo Sombra”, uma célula encarregada de torturar, punir e executar moradores e rivais, além de treinar novos integrantes no uso de fuzis e armamento pesado. “Os registros audiovisuais demonstram a banalização da violência como método de disciplina e controle”, descreveu o magistrado.

Juan Breno Ramos, conhecido como BMW. Foto: reprodução

Um dos vídeos mencionados mostra Aldenir Martins do Monte Júnior sendo amarrado, amordaçado e arrastado por um carro enquanto implora por perdão. Ele cita o nome “BMW” várias vezes antes de morrer. “O acusado aparece fazendo piada do sofrimento da vítima”, escreveu o juiz.

Outro trecho da decisão relata que o réu Fagner Campos Marinho, conhecido como Bafo, torturava um homem ensanguentado e amarrado, perguntando se ele “quer morrer logo”. “A vítima parece aceitar a execução como forma de interromper o sofrimento”, observou o magistrado.

O Ministério Público afirmou que as conversas interceptadas evidenciam o uso da tortura como instrumento de dominação. A decisão cita ainda 48 pessoas como “soldados do tráfico”, responsáveis por proteger os pontos de venda de drogas, e uma mulher identificada como “olheira”, encarregada de monitorar o território.

Ao justificar as prisões preventivas, o juiz afirmou que parte dos investigados possui “vasto histórico de infrações em sua vida pregressa”, com passagens e condenações. “É pueril imaginar que uma vida criminosa, como resta indiciado ser a dos acusados acima mencionados, cessará como que por encanto. Não é isso que a realidade demonstra”, escreveu.

Mesmo os sem antecedentes, segundo ele, foram flagrados portando armas, rádios comunicadores e drogas, o que evidenciaria risco à ordem pública.

O documento conclui que as provas reunidas comprovam “a estabilidade e permanência da organização criminosa”, atuante em pelo menos 12 comunidades da zona norte do Rio. Ao todo, foram decretadas 51 prisões preventivas e medidas cautelares a outros 17 suspeitos. O governo estadual ainda não divulgou quais dos citados foram capturados na Operação Contenção nem identificou os mortos.

Corpos enfileirados em rua do Rio de Janeiro após operação policial mais letal da história da cidade. Foto: Ricardo Moraes/Reuters
Augusto de Sousa
Augusto de Sousa, 31 anos. É formado em jornalismo e atua como repórter do DCM desde de 2023. Andreense, apaixonado por futebol, frequentador assíduo de estádios e tem sempre um trocadilho de qualidade duvidosa na ponta da língua.