
A decisão da 42ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, que deu origem à Operação Contenção, deflagrada na terça-feira (28), detalha a estrutura hierárquica e armada do Comando Vermelho (CV) nas comunidades do Complexo da Penha e áreas próximas. O documento, assinado pelo juiz Leonardo Rodrigues da Silva Picanço, aponta o uso sistemático de tortura, controle armado de moradores e a expansão violenta da facção em territórios dominados por milícias.
O magistrado decretou a prisão preventiva de mais de 60 suspeitos, entre eles Edgar Alves de Andrade, o Doca ou Urso, apontado como principal liderança do CV no estado, e Pedro Paulo Guedes, o Pedro Bala. A operação resultou em uma chacina com 121 mortos, segundo dados oficiais do governo Cláudio Castro (PL).
A decisão também cita como integrantes da cúpula da facção Carlos da Costa Neves (Gardenal), Washington César Braga da Silva (Grandão ou Síndico da Penha) e Juan Breno Malta Ramos Rodrigues (BMW). A reportagem não conseguiu contato com as defesas.
Segundo a decisão, a ação penal se baseia em inquérito da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE), instaurado após uma denúncia anônima em janeiro de 2024 que relatava uma reunião de líderes do CV na Penha para planejar a expansão territorial. As mensagens e vídeos coletados pela investigação revelaram a divisão interna da organização: líderes estratégicos, operadores financeiros, gerentes do tráfico e soldados armados que mantinham o controle sobre as comunidades.
“Os elementos de convicção deixam revelar indícios suficientes de autoria e prova da materialidade dos crimes de tortura e associação para o tráfico de drogas, praticados com emprego de arma de fogo e envolvendo adolescentes”, escreveu o juiz.
Interceptações telefônicas mostraram que Doca determinava “a dinâmica do tráfico de drogas no Complexo da Penha e comunidades adjacentes, inclusive sobre venda e guarda de drogas, armas de fogo de grosso calibre e contabilidade da facção criminosa”.

De acordo com o Ministério Público, Doca contava com três homens de confiança: Pedro Bala, Gardenal e Grandão. Gardenal era o chefe operacional e articulava a expansão violenta do CV em Jacarepaguá. Ele aparecia em vídeos ostentando armas, carros de luxo e dinheiro, além de coordenar grupos de WhatsApp que definiam escalas de segurança e repassavam ordens.
Grandão, gerente geral do tráfico na Penha, controlava pagamentos e turnos de soldados armados, além de manter contato direto com um oficial da Polícia Militar que teria pedido ajuda para recuperar um carro roubado.
BMW, segundo o juiz, liderava o chamado “Grupo Sombra”, uma célula encarregada de torturar, punir e executar moradores e rivais, além de treinar novos integrantes no uso de fuzis e armamento pesado. “Os registros audiovisuais demonstram a banalização da violência como método de disciplina e controle”, descreveu o magistrado.

Um dos vídeos mencionados mostra Aldenir Martins do Monte Júnior sendo amarrado, amordaçado e arrastado por um carro enquanto implora por perdão. Ele cita o nome “BMW” várias vezes antes de morrer. “O acusado aparece fazendo piada do sofrimento da vítima”, escreveu o juiz.
Outro trecho da decisão relata que o réu Fagner Campos Marinho, conhecido como Bafo, torturava um homem ensanguentado e amarrado, perguntando se ele “quer morrer logo”. “A vítima parece aceitar a execução como forma de interromper o sofrimento”, observou o magistrado.
O Ministério Público afirmou que as conversas interceptadas evidenciam o uso da tortura como instrumento de dominação. A decisão cita ainda 48 pessoas como “soldados do tráfico”, responsáveis por proteger os pontos de venda de drogas, e uma mulher identificada como “olheira”, encarregada de monitorar o território.
Ao justificar as prisões preventivas, o juiz afirmou que parte dos investigados possui “vasto histórico de infrações em sua vida pregressa”, com passagens e condenações. “É pueril imaginar que uma vida criminosa, como resta indiciado ser a dos acusados acima mencionados, cessará como que por encanto. Não é isso que a realidade demonstra”, escreveu.
Mesmo os sem antecedentes, segundo ele, foram flagrados portando armas, rádios comunicadores e drogas, o que evidenciaria risco à ordem pública.
O documento conclui que as provas reunidas comprovam “a estabilidade e permanência da organização criminosa”, atuante em pelo menos 12 comunidades da zona norte do Rio. Ao todo, foram decretadas 51 prisões preventivas e medidas cautelares a outros 17 suspeitos. O governo estadual ainda não divulgou quais dos citados foram capturados na Operação Contenção nem identificou os mortos.
