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“Dei a entrevista e entreguei para o Figueiredo ler”: o dia em que Alexandre Garcia posou seminu para uma revista

 

Quando os cientistas conseguirem criar um híbrido de Arnaldo Jabor e Doutor Cuca Belludo, o resultado será Alexandre Garcia.

Garcia é o rei do comentário pedestre, óbvio, o senso comum corporificado numa barba bem aparada e numa fala soporífera. Exceto quando se trata de emitir opinião sobre estudantes, cotistas, médicos cubanos— aí sua segunda natureza aflora.

No Dia do Professor, ele apontava que “não custa lembrar: professor é quem faz despertar o prazer do conhecimento, do saber pensar, do saber fazer, do saber viver. E quem sabe, não precisa de adornos”. Obrigado.

Também acha que “é preciso revogar a lição de que dinheiro é mais que honestidade”. Incrível.

Seus textos são reproduzidos em 20 jornais. Tem um programa de entrevistas na GloboNews, é comentarista do Bom Dia Brasil e apresentador substituto do Jornal Nacional. É dono de uma coluna na Rádio Estadão.

Ficou mais famoso, recentemente, com suas diatribes contra as ocupações. É quando deixa de lado a faceta tio do pavê para mostrar seu pacote de maldades.

Comparou a interrupção de uma aula na Universidade de Brasília a uma ação da Juventude Hitlerista em 1939 (!?). No rádio, desancou os alunos do Paraná, dizendo que a maior parte deles não sabe o que está fazendo, antecipando a idiotice proferida por Michel Temer.

Ainda sugeriu, malandrão, que cada um deles escrevesse uma redação de vinte linhas justificando os motivos para sua militância. Segundo Garcia, “o partido por trás das invasões de escolas é o mesmo que enganou os jovens com a guerrilha do Araguaia, há mais de 40 anos.”

Usou, sem qualquer pudor, o assassinato de um rapaz num colégio no Paraná para atacar os garotos e garotas. “Que futuro, hem!”, disse.

Assim como utilizou a morte do capitão da seleção de 70, Carlos Alberto Torres, para evocar um tempo de “crescimento chinês – com o entusiasmo de todos”.

Complementou: “Inclusive eu, estudante na época, como todo mundo, tinha no carro o plástico: ‘ame-o ou deixe-o’, que era um recado para os terroristas, entre os quais estava a Dona Dilma.” Todo mundo quem??

Garcia foi porta-voz de Figueiredo de 1979 a 1980. Virou uma subcelebridade e, na época, já mostrava seus métodos. Apareceu seminu numa revista masculina chamada Ele & Ela, da Bloch. Ele explicou como ele mesmo editou a matéria, uma fraude jornalística qualquer nota — o que não é surpresa.

Eu havia sido entrevistado para a “Playboy” e aí o Flavinho Cavalcante, na época da Bloch, disse que a “Ele & Ela” também queria uma entrevista. Só que maior, com fotos.

Fui perguntar para o meu guru, o ministro Golbery, que respondeu: “Pode, sim. Vamos, em breve, tirar o Farhat. Vamos extinguir a Secretaria de Comunicação Social e queremos que você fique como secretário de Imprensa. Nada como dar uma entrevista para uma revista masculina para projetar mais o seu nome, para virar depois secretário de Imprensa”.

Dei a entrevista, revisei, praticamente copidesquei. Então aquilo que está lá é meu mesmo. O Flavinho me trouxe o primeiro exemplar que entreguei para o Figueiredo ler. O Figueiredo leu a bordo de um Búfalo em uma viagem a Pindamonhangaba.

Aos 76 anos, Alexandre Garcia descobriu uma maneira de sobreviver no jornalismo. Não é a mais decente, mas ninguém pode acusá-lo de não ser coerente.

Garcia na Ele & Ela

Kiko Nogueira

Diretor do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.

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