‘Deixem nossos úteros em paz’: feministas se revoltam com ideia de ‘rearmamento demográfico’ de Macron

Atualizado em 20 de janeiro de 2024 às 13:33
O presidente francês, Emmanuel Macron, brinca com um bebê durante uma visita ao hospital de Rouen, no norte da França, em 5 de abril de 2018. AFP – CHRISTOPHE ENA

Por Daniella Franco

“A infertilidade aumenta. E eu falo aqui de uma espécie de tabu do século, mas as coisas estão mudando. Fazemos filhos cada vez mais tarde”, declarou o presidente durante seu discurso e coletiva de imprensa no qual apresentou o roteiro de seu novo governo na terça-feira (16).

De fato, segundo o balanço demográfico anual do Insee, entre 2022 e 2023, a natalidade registrou uma queda de 6,6%. Além disso, pela primeira vez, a taxa de fecundidade baixou em todas as faixas etárias, inclusive entre os 30-34 anos, período em que as francesas mais têm filhos.

Diante do balanço, Macron anunciou “um grande plano de luta contra esse problema”. O objetivo, segundo, ele é “permitir um rearmamento demográfico” da França.

Em seguida, o presidente apresentou a proposta de substituir a licença parental, que atualmente pode ser estendida até os 3 anos de idade da criança, por uma “licença nascimento”. Segundo Macron, esse período terá uma duração máxima de até seis meses, mas contará com uma melhor remuneração do que a licença parental.

O presidente disse acreditar que a mudança será “um elemento útil nessa estratégia” contra a queda de natalidade na França. Para ele, a licença permitirá às famílias a passarem mais tempo com os filhos e incentivará os casais a procriarem.

França de Macron deve seguir distante de Brasil de Bolsonaro, dizem analistas - BBC News Brasil
O presidente francês, Emmanuel Macron. Foto: reprodução

“Rearmamento demográfico”

O tom reacionário do discurso irritou parte da opinião pública, a oposição e foi tema de reportagens e editoriais nesta semana. A utilização do termo “rearmamento demográfico” chocou várias parlamentares francesas.

Para a senadora ecologista Mélanie Vogel, a expressão remete ao lema “Trabalho, Família, Pátria” que a França usou durante o regime de Vichy, na Segunda Guerra Mundial, quando foi ocupada pela Alemanha Nazista. “Em um contexto geopolítico de multiplicação de guerras e nacionalismo, os seres humanos não podem ser vistos como armas”, disse a deputada socialista Laurence Rossignol.

A Federação Nacional dos Centros de Informação sobre os Direitos das Mulheres e das Famílias denunciou uma política natalista contrária à autonomia das mulheres, “uma regressão política e social preocupante”. “Deixem nossos úteros em paz”, publicou no X (ex-Twitter) a presidente da Fundação das Mulheres, Anne-Cécile Mailfert.

Já jornal Libération publicou na quinta-feira (19) uma edição especial de cinco páginas e um editorial enfurecido que enumerou o que desmotiva hoje a população francesa a procriar. “Salários baixos, a falta de moradia própria, a falta de assistência do Estado para as famílias, as longas jornadas de trabalho”, lista o texto. Libé cita também a escassez de perspectiva em um mundo em guerra e um planeta que está sendo destruído pelas mudanças climáticas, criticando a desconexão do Macron em relação aos cidadãos.

Queda da natalidade

Para especialistas em demografia, a queda na taxa de natalidade da França não é alarmante e deve ser mais encarada como um fenômeno do que como um problema. Em entrevista à France Bleu, o professor da Escola de Economia de Paris, Hippolyte d’Albis, acredita que o essencial é adaptar as políticas públicas “favorecendo o emprego de sêniors, mulheres ou recorrendo à imigração”.

Já a União Nacional das Associações Familiares da França (Unaf) lembra que mesmo que a taxa de fecundidade das francesas seja de 1,68 por mulher, o desejo de procriar não desapareceu. Em 2020, um estudo da associação mostrou que a média do número ideal de filhos no país é de 2,39.

O Alto Conselho da Família e da Infância da França é cético sobre o sucesso do plano apresentado por Macron para incentivar a natalidade. Para Hélène Périvier, presidente deste órgão independente, a principal estratégia deveria ser criar condições nas famílias que facilitem a criação e a educação dos filhos, e priorizam a qualidade de vida de mães e pais.

“Há uma relação entre as políticas de articulação entre vida familiar e vida profissional e o nível da natalidade dos países”, diz, em entrevista à France Info. “Os países onde essas políticas permitem às mulheres trabalhar quando elas têm filhos são os países onde as mulheres mais têm filhos”, ressalta.

Publicado originalmente em RFI

Participe de nosso canal no WhatsApp, clique neste link

Entre em nosso canal no Telegram, clique neste link