Delações premiadas, a panaceia da Lava Jato. Por Marcelo Auler

Atualizado em 10 de setembro de 2017 às 7:42
Ele

Publicado no blog do Marcelo Auler.

Importante instrumento jurídico criado para auxiliar as investigações, notadamente de organizações criminosas, a delação premiada, a partir da experiência da Operação Lava Jato, se tornou uma verdadeira “panaceia” no estrito sentido descrito pelo famoso dicionário Houaiss.

O que, como ministros do próprio Supremo Tribunal Federal (STF) já definiram, deveria ser um “indício”, para o devido aprofundamento da investigação, passou a ser visto como prova; a palavra de um delator, que a princípio merece ser colocada em dúvida, ganha ares de verdade, inclusive para jornalistas que, a princípio, em nome da boa apuração, deveriam suspeitar de tudo o que ouvem; um ato que deveria ser de iniciativa própria do acusado e/ou réu, se tornou algo a ser obtido sob pressão.

Desta forma, a Delação se transformou, como define Houaiss, em “coisa que se acredite possa remediar vários ou todos os males; o que se emprega para remediar dificuldades; braço-da-preguiça”.

Se a investigação não consegue chegar às provas concretas contra “A”, “B”, ou “C”, não há porque desistir, nem tampouco inocentar o suspeito. Corre-se atrás de alguém preferencialmente submetido a uma prisão temporária e/ou preventiva, que de temporária/preventiva não tem nada.

Ela faz parte de um jogo em que retém o, às vezes, ainda suspeito, não por atender as exigências dos códigos legais, em benefício da investigação ou na defesa da sociedade. Mas pela necessidade de se conseguir de forma mais rápida – o tal “braço-da-preguiça” – algo que permita confirmar uma tese anteriormente levantada. A partir de então, pouco importa se o que o delator disse faz ou não sentido. Seja o que for, a delação passa a ter fundo de verdade.

Ao que tudo indica, este é o caso da mais recente delação que tem todos os indícios de ter sido retirada a fórceps de alguém preso e acuado, que acaba dizendo aquilo que os investigadores – entenda-se, procuradores da República, policiais federais e o próprio juiz Sérgio Moro – têm interesse em ouvir.

A ser verdade o que disse Antônio Palocci ao juiz Moro, este só deveria, de imediato, tomar uma urgente providência: solicitar ao Supremo Tribunal Federal que anule a delação feita pelos Odebrechts e os diretores do grupo empresarial de mesmo nome.

Afinal, o ex-ministro da fazenda de Lula revelou reuniões das quais teriam participado Emilio e/ou Marcelo Odebrecht, que não constam do que os dois – bem como os demais diretores da empresa – delataram “espontaneamente” à PGR. Nenhum deles falou em “pacto de sangue” entre Emílio e Lula.

Algo que, como destacou em sua coluna deste sábado (09/08), na Folha de S. Paulo, André Singer – Notícias da semana traçam cenário melancólico – trata-se de uma expressão “dita sob medida para caber nos títulos principais da imprensa do dia seguinte”.

Como, ao que tudo indica, hoje é mais interessante aos operadores da Lava Jato – e a seus eternos defensores na chamada grande mídia – considerarem verdadeiras e definitivas as acusações do “italiano” por atingirem o alvo de todos eles – Lula -, a conclusão óbvia é que os Odebrechts esconderam informações e devem perder os direitos conquistados com a delação. Ou Moro não pretende questionar a veracidade da delação que beneficiou pai e filho?

Ultimamente, ao questionarem as delações premiadas que a Lava Jato tem usado – seja em Curitiba, seja em Brasília – se recorre ao caso de Delcídio do Amaral. Serve como exemplo de algo dito sem a menor relação com a realidade. Mas isso de pouco importou à época. Antes pelo contrário, serviu aos objetivos políticos dos operadores da Lava Jato.

Preso em novembro de 2015, Delcídio prestou delação premiada no início de 2016. Ela só foi homologada e oficialmente liberada ao conhecimento público em 15 de fevereiro de 2016. Como disse CartaCapital na época – Na íntegra, a delação premiada de Delcídio do Amaral – “a delação de Delcídio vazou para a imprensa antes de sua homologação, o que provocou a indignação do ministro Teori Zavascki. Após a publicação de reportagens com parte do conteúdo do documento, Zavascki enviou um ofício à PGR solicitando a abertura de uma investigação a respeito do vazamento“.

Claro que não houve qualquer investigação, como de resto jamais se investigou, logo, também não se puniu, vazamentos ocorridos na Lava Jato. Afinal, na maioria, partiram dos seus próprios operadores – policiais federais, procuradores e até juízes, como foi o caso do grampo ilegal da conversa entre Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula.

O vazamento, como já se cansou de falar, faz parte do esquema de afetar reputações para depois se tentar confirmar as denúncias feitas.

No caso de Delcídio, um ano e maio depois, a própria Procuradoria Geral da República colocava em dúvida suas acusações, como noticiou o site do Valor Econômico, em agosto de 2017.

Mais ainda, no último dia 11 de julho, o procurador da República Ivan Cláudio Marx pediu à Justiça Federal em Brasília, o arquivamento de procedimento investigatório criminal que apurava a acusação de Delcídio contra Lula. O ex-senador acusou o ex-presidente de tentar obstruir a Operação Lava Jato.

O pior é que tudo isso – a divulgação de delações antes delas serem confirmadas atingindo reputações – contou (e conta, ainda) com o beneplácito dos tribunais superiores. Seus membros, talvez como aconteceu com Rodrigo Janot conforme ele próprio confessou, ter agido mais por medo, omitiram-se e deixaram de fazer cumprir a letra da lei. Ou pior, da Carta Magna.

Tais fatos, porém, não são recentes. Vêm do início da Operação Lava Jato. Foram denunciados à época, não na imprensa, que jamais teve interesse em revelar os reais bastidores da Operação na chamada República de Curitiba. Mas em juízo, sem que qualquer providência fosse tomada. Afinal, qual magistrado, fosse de que tribunal fosse, ousaria se voltar contra a opinião pública ou, principalmente, contra a “opinião publicada”?

Como noticiamos no Blog em Quem com ferro fere… Força Tarefa da Lava Jato pode tornar-se alvo de delação premiada (30 de abril de 2016), a doleira Nelma Kodama, através de um bilhete escrito em maio de 2015,   denunciou ao desembargador Pedro Gebran Neto que ao se recusar a colaborar com uma delegada federal, foi imediatamente transferida para o presídio onde teve a cabeça raspada e perdeu 13 quilos.

No bilhete, que não foi levado em conta pelo desembargador ao analisar o processo, ela não só revelou a pressão para se tornar “colaboradora”, mas mostrou que desde o início da Operação Lava Jato – foi a primeira a ser presa quando embarcava para Milão, na Itália, dois dias antes de deflagrarem a primeira fase – delegados e procuradores queriam pegar os políticos, mesmo sem nada comunicarem ao Supremo.

“Quando cheguei à Superintendência da Polícia Federal de Curitiba, fui ouvida pelo delegado Márcio Anselmo, os procuradores Deltan Dallagnol e Orlando Martelo, os quais me perguntaram: A senhora tem algum político, ou negócio com trafigo de Drogas? Algum fato novo? Porque se a Sra. só tiver operaçõezinhas com chinezinhos não é do nosso interesse”.(sic)

Nelma jamais fez uma delação premiada formalmente. Mas, ao contribuir com delegados da Força Tarefa de Curitiba prestando depoimentos que os ajudaram a sustentar a falsa tese da existência de um grupo “dissidente” dentro da Superintendência Regional da Polícia Federal do Paraná (SR/DPF/PR), obteve regalias no cumprimento da pena. Trocou o presídio pela custódia da Polícia federal, com direito a levar junto sua companheira.

Hoje, mesmo se sabendo que jamais existiu o “dossiê” com informações sigilosas da Operação que os “dissidentes” estariam negociando, cuja existência Nelma corroborou em seus depoimentos para satisfazer aos delegados, ela cumpre pena em prisão domiciliar.

Surgem agora dúvidas e questionamentos com relação à delação de Joesley Batista, da JBS. Dela surge a certeza que Janot agiu açodadamente na expectativa de pegar o presidente Michel Temer. Pode ter lhe beneficiado, mesmo se sabendo que de inocente o atual presidente não tem nada.

(…)