Delegacia sob suspeita com Marielle acumula destruição de provas e ‘erros’ em outros casos

Atualizado em 31 de março de 2024 às 21:31
Delegacia de Polícia do Rio de Janeiro. Foto: Reprodução

Em julho de 2018, Eduardo Siqueira, conhecido como Dudu do Clone, foi detido pela Delegacia de Homicídios (DH), no Rio de Janeiro, sob suspeita de ter realizado a clonagem do veículo Cobalt utilizado nos homicídios de Marielle Franco e Anderson Gomes. Naquela ocasião, seu telefone celular foi apreendido pelas autoridades e, no mês subsequente, a Justiça ordenou a quebra de sigilo do dispositivo. A apuração é do jornal O Globo.

No entanto, a partir desse ponto, o desdobramento da investigação parece ter sido interrompido. Três anos depois, uma vez que os dados do celular não foram incluídos no inquérito, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) indagou à Polícia Civil sobre o paradeiro do aparelho. A DH informou que o encaminhou ao Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE), que, por sua vez, alegou nunca ter recebido o dispositivo.

Até o momento, a localização do celular permanece desconhecida, e a suposta participação de Dudu do Clone no crime jamais foi confirmada. Este desaparecimento representa apenas um dos sinais de obstrução encontrados em investigações conduzidas pela DH, alguns dos quais foram questionados no relatório da Polícia Federal que identificou os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão como os mandantes dos assassinatos de Marielle e Anderson.

Documentos revelam uma série de irregularidades em inquéritos conduzidos pela delegacia desde 2011, especialmente entre 2012 e 2018, período durante o qual o delegado Rivaldo Barbosa estava no comando e posteriormente foi preso pela PF sob suspeita de envolvimento no caso Marielle. Os problemas variam desde partes de investigações danificadas por vazamentos até a denúncia do desaparecimento de um inquérito completo nas dependências da delegacia.

No caso do celular de Dudu do Clone, o último registro documental antes do desaparecimento é um “auto de encaminhamento” emitido pela DH ao ICCE, assinado pelo delegado Giniton Lages (ex-assistente de Rivaldo e recentemente afastado por suspeitas de tentar obstruir a investigação do Caso Marielle). No entanto, o espaço do documento destinado ao responsável por receber o dispositivo no ICCE não foi preenchido. Em seu depoimento ao MPRJ, Giniton foi incapaz de fornecer informações sobre o paradeiro do aparelho.

Um dos mistérios que permeiam essa investigação também envolve um celular: o da vítima, que foi removido do local do crime. O aparelho foi fotografado ao lado do corpo de Falcon, mas nunca foi confiscado pela DH. Algum tempo depois, o PM Anselmo Dionísio das Neves, um desafeto de Falcon, entregou o celular à família, já danificado. Devido aos danos, não foi possível realizar uma perícia no aparelho. O assassinato continua sem solução.

Vereadora Marielle Franco. Foto: Reprodução

Outro caso intrigante é o desaparecimento do inquérito completo relacionado ao homicídio do ex-policial militar André Serralho, em 2016, que estava arquivado na delegacia. O sumiço foi denunciado ao MPRJ pelo próprio delegado encarregado da investigação, Brenno Carnevale. Ele relatou que, após emitir uma série de despachos solicitando diligências, nunca mais teve contato físico com os documentos. Carnevale afirmou ter passado um ano procurando-os sem sucesso nas dependências da delegacia, até ser transferido da DH em março de 2018. Atualmente, o caso está arquivado, sem que os autores tenham sido identificados.

Alguns desses casos de investigação comprometida têm em comum vínculos com bicheiros. Um exemplo é o assassinato de José Luiz de Barros Lopes, conhecido como Zé Personal, em setembro de 2011. Dez dias após o homicídio, o pai do contraventor, que testemunhou o crime, afirmou ter reconhecido pela voz um dos agressores encapuzados que invadiram um centro espírita para assassinar seu filho. Ele identificou o PM Luiz Carlos Martins, que, segundo ele, tinha ligações com o ex-capitão do Bope Adriano Magalhães da Nóbrega, conhecido como Capitão Adriano, um dos principais assassinos contratados do Rio.

Outra testemunha corroborou esse depoimento. No entanto, somente um ano depois, quando Rivaldo Barbosa já estava à frente da especializada, Adriano foi interrogado pela DH. Ele alegou estar no hospital na noite do crime, onde sua filha recém-nascida estava internada. No entanto, esse álibi foi prontamente contestado pelo hospital, que não encontrou registros da presença de Adriano.

Após esse depoimento, o inquérito ficou parado por seis anos: a DH não realizou nenhuma diligência para confirmar ou refutar os relatos sobre a participação de Adriano e seu cúmplice. A investigação passou por diferentes delegados e até partes dela foram danificadas: em 2015, a sala do chefe de operações da DH foi inundada por goteiras, resultando em danos a várias páginas. O caso permanece sem solução.

Outro caso não resolvido envolve o assassinato, em 2017, do bicheiro Haylton Escafura, filho de José Escafura, conhecido como Piruinha. Um dos veículos utilizados no crime foi capturado por uma câmera de segurança. Quando questionado sobre sua presença nas imagens, o proprietário do veículo respondeu prontamente: “Não sou eu, mas é meu irmão”. Pouco depois desse reconhecimento, o suspeito, Bruno da Rocha Barbosa, foi intimado, mas seu depoimento nunca foi tomado: dois dias depois, ele foi assassinado.

A morte de mais um bicheiro, Marcelo Diotti, na Barra da Tijuca, em março de 2018, na mesma noite dos assassinatos de Marielle e Anderson, também é objeto de uma investigação do MPRJ devido a “graves falhas” na coleta de evidências. Uma equipe da DH foi até uma padaria em Rio das Pedras, frequentada por membros do Escritório do Crime, suspeitos do assassinato, para obter imagens de uma câmera de segurança. No entanto, o arquivo extraído não continha imagens significativas da madrugada após o crime – exatamente o período em que os criminosos poderiam ter chegado ao local.

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