Por que Delfim Netto foi poupado pela Comissão Nacional da Verdade?

Atualizado em 11 de dezembro de 2014 às 8:54
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A Comissão Nacional da Verdade entregou seu relatório final com 377 nomes envolvidos em casos de “tortura, mortes, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres, ainda que ocorridos no exterior”.

Estão ali os ex-presidentes Castello Branco, Costa e Silva, Emilio Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Baptista Figueiredo, assim como José Anselmo dos Santos, o Cabo Anselmo, o general Newton Cruz, o coronel Ustra e o delegado Sérgio Paranhos Fleury. Há também delegados de Polícia Civil, investigadores, médicos, legistas e diplomatas.

Pelo menos uma ausência é gritante: a de Delfim Netto. Faz sentido punir tão majoritariamente os que obedeciam ordens? Delfim, é bom lembrar, não era um personagem marginal. Ao depor à comissão, Fernando Henrique, por exemplo, lembrou que ele foi decisivo na cassação de Covas em 1969.

Delfim assinou o AI-5 quando ministro da Fazenda de Costa e Silva. “Direi mesmo que creio que não é suficiente”, afirmou na época. Com isso, ajudou a suspender o habeas corpus para crimes políticos e contra a segurança nacional, o que foi instrumental para a repressão. Os cães foram soltos.

Ocupou o mesmo cargo entre 1969 e 1974, sob Médici. Depois foi ministro da Agricultura e do Planejamento com Figueiredo. Numa entrevista para o documentário “Muito Além do Cidadão Kane”, Roberto Civita, dono da Abril, contava que, em 1980, quando o grupo tentou uma concessão de TV, ele tinha a seu lado “Golbery e Delfim, os dois homens mais importantes do governo naquela época”. Golbery, aliás, está na lista.

Em seu depoimento à CV de São Paulo, ele garantiu, como sempre, que não sabia de nada. “Havia a mais absoluta separação. No meu gabinete nunca entrou um oficial fardado”, disse. “Não existia nenhum vínculo entre as administrações”.

Depois da redemocratização, Delfim foi cinco vezes deputado federal, virou colunista de jornais e revistas, conselheiro de Lula. Numa entrevista ao jornal O Globo, declarou o seguinte: “Uma vez perguntei ao presidente Médici se havia tortura. Ele me disse que não. Nós ouvimos, como todos, coisas aqui e ali. Acreditei nele.”

Simples assim. Se a conversa é verdadeira, até o bule de café sabia que Médici estava mentindo. Delfim é um homem inteligente. Memória viva — e muda — da ditadura, fora do relatória da CV, Delfim Netto passará para a história como um exemplo fantástico de blindagem.