Deltan constrange a República e essa nada faz para constranger Deltan

Atualizado em 21 de outubro de 2020 às 11:36
Deltan Dallagnol

Alberto Toron
Antonio Carlos de Almeida Castro (Kakay)
Dora Cavalcanti
Flávia Rahal
​​​​​Lenio Luiz Streck
​​​​​Marco Aurélio de Carvalho

*advogados integrantes do Grupo Prerrogativas
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Surge um novo escândalo no âmbito da Força Tarefa da Lava Jato e da própria Operação Lava Jato. O Intercept mostra gravações em que Deltan Dallagnol destila veneno contra um juiz que se candidatou para substituir Moro. E conspira para fazer o sucessor de Moro.

Conforme mostra o site Intercept, os procuradores da Lava Jato no Paraná atuaram nos bastidores para interferir na sucessão do ex-juiz Sergio Moro nos processos da operação em primeira instância. A força-tarefa fez lobby – veja-se confissão de Deltan – em um outro poder, o Judiciário, para garantir que o novo escolhido para o lugar de Moro fosse alguém “da base aliada”. O desespero de Deltan e da FT se deu em razão da dificuldade de encontrar alguém parcial como Moro, algo que, sabemos, seria absolutamente impossível.

As articulações estão explícitas em duas mensagens de áudio de Deltan. Nelas e em várias mensagens de texto trocadas pelo Telegram em janeiro de 2019 (vejam, não faz muito), ele elenca os principais candidatos à vaga de Moro, elege os preferidos da força-tarefa e bola o plano em andamento para afastar quem poderia “destruir a Lava Jato”, na opinião dele.

Incrível. Mas no Brasil isso é considerado “normal”. Planejavam até “indicar juízes assessores para o substituto”. Coisa que não aconteceu. Se acontecesse, seria bizarro.

Para se ter uma ideia, os procuradores Januário e Deltan achavam que o juiz Eduardo Vandré não era chegado no “batente” e era ”PT” (sic). Deltan chegou a dizer: “O risco é a posição 6, o Vandré. Precisamos de um coringa, alguém que se disponha a vir até o número 5 e renuncie se o Vandré se inscrever”.

Bom, basta ler a matéria. É absolutamente auto explicativa. Basta ouvir os áudios. Isso é republicano? Isso está dentro do papel do Ministério Público? Quanto ao papel do Intercept, isso já foi discutido à saciedade. Parece que, hoje em dia, já ninguém tem dúvida acerca da autenticidade. De todo modo, ouvindo os áudios, não resta qualquer dúvida a respeito.

Como alerta o Ministro Gilmar, “Os procuradores da ‘lava jato’ estavam escolhendo o juiz da 13ª Vara, que substituiria Moro, dialogando com o TRF-4. É um caso altamente constrangedor e até agora o STJ, o CJF, o CNJ e o TRF não falaram nada. Quer dizer, eles [a ‘lava jato’] se tornaram um grande poder em relação ao próprio procurador-geral. Se o Augusto Aras não enfrentar essa questão das forças-tarefas, elas acabam com ele”.

A palavra “constrangedor” usada pelo Ministro é o que melhor define o imbróglio. E, paradoxalmente, coloca na pauta a falta de constrangimento das autoridades para com episódios como esse. Espera-se que as altas autoridades (STJ, CNMP, CNJ, TRF4) efetuem um constrangimento, isto é, ponham limites, no sentido daquilo que o jurista alemão Bernd Rüthers usou para denunciar que o autoritarismo na Alemanha dos anos 30 se deu também muito por causa da falta de “constrangimento” ou de “limitações” (Begrenzte) aos setores da justiça de então. Se lá a doutrina não “constrangeu-limitou”, por aqui as autoridades também não o fizeram.

Como lembrou um Desembargador aposentado de importante Tribunal da Federação, imagina se fosse um advogado tributarista ou criminalista discutindo e tentando interferir em quem vai trabalhar como juiz na vara em que tenham feitos em apreciação. Seria um escândalo e provavelmente os juízes seriam sindicados e os advogados responderiam processos por obstrução da justiça, no mínimo.

Qual será o sentido do enunciado “O Brasil é uma República”? Qual é o sentido da palavra “conspiração”? De todo modo, a palavra “constrangedor” se encaixa como uma luva, reclamando das autoridades e do próprio CFOAB providências a respeito.

Deltan constrange a República e a República nada faz para constranger os atos de Deltan. Faz uma Fundação, autorizada pela juíza substituta, e essa fundação é anulada a pedido da PGR Raquel Dodge. Queria fazer algo como uma “empresa para vender palestras com o selo Lava Jato”. Pinta e borda fazendo política e assim vai levando a República no bico.

Até quando? Deltan fala muito em impunidade. Até mesmo disse que a prescrição era um câncer e um incentivo à impunidade. E se beneficiou desse “fator de impunidade”. Na verdade, de impunidade Deltan entende muito. Tem pós-graduação.

Veremos se haverá providências sobre mais este episódio – a operação substituto de Moro”.

É o que se espera e exige.