Demissões em massa, redução de salários, briga e choro nos bastidores: a verdade do “Projeto Uma Só Globo”. Por Zambarda

Atualizado em 23 de novembro de 2019 às 12:28
Os irmãos Marinho entre os diretores da Globo Jorge Nóbrega (esq.) e Carlos Schroder

O nome do projeto é “Uma só Globo”.

De acordo com a própria empresa, o maior projeto de mudança estrutural em 94 anos de história.

Reestruturação pode ser traduzida em outra expressão mais direta: demissão em massa.

A mudanças no grupo ocorrem com supervisão da consultoria Accenture.

E o que a Globo quer com esse projeto? Unir em uma única empresa as divisões TV Globo, Globosat, Globo.com, DGCORP (Diretoria de Gestão Corporativa) e Som Livre.

Jorge Nóbrega, presidente-executivo do grupo, explicou o plano de megafusão no dia 8: “A marca Globo como a conhecemos hoje, sinônimo de TV aberta, passa a dar nome a uma empresa nova, ampliada, integrada e orientada a novos desafios e oportunidades”.

Nos dois dias anteriores, o clima nos bastidores já estava ruim.

A coluna Gente, da Veja, informou que em 6 de novembro, quando atores começaram a gravar as cenas noturnas da novela “Bom Sucesso”, chegaram informações sobre as demissões no Projac.

Não havia precisão de nomes e nem sinais de áreas mais afetadas.

Mas instalou-se clima de pânico e especulações.

A Veja diz que a atriz Ingrid Guimarães chorou pelos colegas naquele dia.

Apesar da comoção, os funcionários sabiam há meses que estava sendo desenhado um novo organograma de equipes e funções. Uma lista chegou a circular em grupos de WhatsApp de atores, figurinistas e produtores, com os supostos nomes de quem teria sido cortado, o que enfureceu diretores.

O número de demitidos foi oficializado em 150 pessoas na TV Globo. O colunista Ricardo Feltrin, do UOL, disse que os cortes devem prosseguir até 2022.

Os jornalistas que cobrem televisão trouxeram informações dos bastidores da emissora de quantas pessoas podem ser cortadas em até dois anos.

Daniel Castro, do Notícias da TV, estipula que cerca de 2500 profissionais devem ser desligados. Feltrin, em sua coluna no UOL, sustenta que os cortes podem chegar até 4000 funcionários.

A Globo tem 15 mil empregados.

Além das demissões: Achatamento de salários

As demissões não atingem só profissionais de baixo e chegaram no alto escalão do grupo.

Não afetam somente a área de jornalismo e atingem em cheio sobretudo os artistas da Globo.

De acordo com a Veja, o trio de diretores Dennis Carvalho, Denise Saraceni e Rogério Gomes, o Papinha, tiveram seus salários reduzidos e deixaram de ser Pessoa Jurídica para receber pelo sistema CLT.

Cerca de 50% da remuneração dos três foi cortada.

Carvalho faturava R$ 400 000 e Papinha e Saraceni, R$ 250 000.

Para o Grupo Globo, as mudanças são uma correção de rota. Os grandes contracheques surgiram na gestão de Marluce Dias como diretora geral da emissora entre 1998 e 2002.

Ela veio da Mesbla e decidiu criar uma série de núcleos na emissora como um grande magazine.

Isso criou uma competição entre diretores tanto pela audiência, à época na casa dos 50 pontos no Ibope, quanto pela receita milionária do mercado publicitário.

Apresentadores também estão sendo afetados por essas mudanças. Patrícia Poeta e Zeca Camargo estariam insatisfeitos com mudanças salariais.

Justamente por isso, os dois e a apresentadora Angélica, mulher de Luciano Huck, foram sondados pela Record. Nenhum deles desmentiu essas informações que circularam.

Outros profissionais, como Tino Marcos, preferiram tornar-se freelancer a diminuir o pichuleco.

Dentro do alto escalão, o diretor-geral Alberto Pecegueiro decidiu sair a partir de janeiro de 2020, depois de 25 anos.

Já Paulo Daudt Marinho, neto de Roberto Marinho, foi promovido no de diretor dos canais infantis Gloob e Gloobinho e da unidade de negócios digitais da Globosat para assumir todos os Canais Globo.

Esse setor inclui TV paga, gestão de rede de afiliadas e a própria TV Globo.

As demissões e as negociações pareciam afetar mais o negócio de televisão da Globo. Mas os cortes chegaram, ainda em novembro, na editora.

Novo organograma da Globo

No dia 21 de novembro uma lista com alguns dos nomes de profissionais que foram desligados na editora chegava a 40 nomes. Diagramadores e editores estavam na fila de demissões.

Na mesma semana, os funcionários souberam que a versão impressa da revista Galileu seria descontinuada dentro do Infoglobo.

A marca continua como um site e jornalistas que trabalham também com internet foram desligados.

Em janeiro o grupo deve acabar com a Época impressa.

Dias piores virão

No Ibope, a Globo mantém uma média de 13 pontos nas 24 horas.

No segundo lugar entre as emissoras de televisão aberta, o SBT está com uma média de seis pontos, investindo pouco em renovação.

O terceiro lugar é da Record, que caiu para cerca de 5 pontos e ainda tem mais receita para fazer contratações, mas tem a proeza de ter seu principal telejornal (Jornal da Record) com problemas para crescer na grade.

O DCM fez algumas entrevistas com críticos e especialistas em televisão para entender a situação empresarial e política da Globo, emissora que perdeu quase 40% de participação na publicidade do governo federal para ficar com cerca de 16% com Bolsonaro, de acordo com o TCU.

Laurindo Lalo Leal Filho, jornalista e sociólogo, autor dos livros “Atrás das câmeras: relações entre cultura, estado e televisão” (1988), “A melhor TV do mundo: o modelo britânico de televisão” (1997), “A TV sob controle: a resposta da sociedade ao poder da televisão” (2006) e “Vozes De Londres – Memorias Brasileiras Da BBC” (2008), acha que se trata “de um processo irreversível que afeta inúmeros setores da economia.”

Para Lalo Leal, os sindicatos precisam se mobilizar para que os demitidos da TV Globo recebam seus direitos trabalhistas em um cenário de até 4000 cortes, mas complementa que os governos Temer e Bolsonaro fragilizaram essas entidades.

“Aliado a isso há o alto nível de desemprego em diferentes setores da comunicação, especialmente no jornalismo, o que dá para as empresas um grande poder para promover a substituição de mão de obra visando a contenção de custos com a redução de salários”, diz.

O escritor e jornalista Emiliano José é autor dos livros “Jornalismo de Campanha e a Constituição de 1988” e “Imprensa e Poder Ligações Perigosas”, além de ter sido deputado federal pelo PT. Ele acredita que os “impérios midiáticos” muitas vezes caem em armadilhas do próprio capitalismo e não percebem os sinais da crise do seu próprio modelo de negócios.

“O meu saudoso amigo Paulo Henrique Amorim, que se foi recentemente, já dizia há algum tempo que a Globo estava chegando em seu fim. Parecia um exagero da parte dele, mas a emissora está de fato ‘morrendo gorda’”, afirma.

Ele tem ressalvas com a internet.

“Não se deve romantizar o meio digital. Ele também é controlado por monopólios. A chegada dessas empresas abocanham boa parte da publicidade que era da Rede Globo. Essas demissões são sintomas da decadência da Globo, que sente a digitalização e como ela não conseguiu se reciclar”, declara.

“Vi a Globo desde seu nascedouro, do jornal O Globo, e da participação de golpes contra Getúlio e a favor da ditadura. Foi porta-voz conivente com as mortes do regime. Mais tarde ela ajudou o Collor, se arrependeu, foi linha auxiliar de Fernando Henrique Cardoso e foi para o combate contra o governo Lula. Hoje ela combate o governo de extrema direita, mas concorda com Guedes. São as ironias da história”.

O que diz a Globo 

O Diário do Centro do Mundo entrou em contato com a assessoria da Rede Globo questionando sobre as demissões em curso, as projeções de cortes, o achatamento de salários e a redução da publicidade do governo Bolsonaro.

Recebemos a seguinte resposta:

“O número de demissões apontado não procede. Todas as grandes empresas modernas passam por processos na busca de eficiência e evolução constante e, nesse contexto, é natural que façam ajustes. Na Globo não é diferente.”