Demissões, fechamento de revistas: a agonia da Abril continua. Por Miguel Enriquez

Atualizado em 1 de julho de 2018 às 8:14
Victor e Giancarlo, no comando do naufrágio: a empresa vai mal, eles vão bem

A primeira semana de julho promete ser plena de más notícias para o grupo Abril, que edita Veja, a maior revista semanal do país. Às voltas com uma sucessão de prejuízos que totalizaram R$ 768,1 milhões nos últimos três anos ( R$ 331,4 milhões, em 2017), com um endividamento de R$ 1,2 bilhão, queda de vendas e patrimônio negativo de R$ 715,9 milhões, a empresa mais uma vez terá de cortar na carne, em seu desesperado esforço para continuar em pé.

Por conta das recomendações de uma empresa de auditoria contratada pelos bancos credores, está previsto o anúncio de mais um enxugamento do quadro de pessoal, cujos números variam entre 300 e 1000 funcionários. Caso seja mantida a prática iniciada em 2017, suas indenizações deverão ser quitadas em 10 parcelas mensais.

A tesoura atingiria, inclusive, a até aqui praticamente intocável redação de Veja, carro chefe da editora, que vem perdendo circulação ano a ano – estima-se que os 1,2 milhão de exemplares vendidos semanalmente, no início da década, tenham desabado para algo ao redor de 500 mil, atualmente.

As demissões se seriam decorrência de uma profunda redução do seu portfólio de revistas proposta pelos credores. Comenta-se internamente que, das publicações atuais, seriam poupadas apenas as revistas Veja, Exame e Cláudia. Os demais títulos, que deixariam de circular nas bancas, seriam sumariamente fechados ou mantidos apenas em suas versões digitais.

Esse novo surto de razia editorial, anunciado no jargão da casa como “revisão estratégica”, teve inicio no dia 8 de junho, com a decisão de interromper a publicação das revistas da Disney. Iniciada há 68 anos, a parceria com o grupo americano está na origem da Abril. Sua primeira publicação, ao ser fundada, em 1950, pelo empreendedor italiano Victor Civita, foi justamente a revista do Pato Donald.

Os cortes de atividades e de pessoal seriam estendidos a outras operações do grupo. Notadamente, à Dinap, sua distribuidora de revistas, que vem perdendo clientes de peso. No ano passado, por exemplo, seus serviços foram dispensados por um dos principais clientes, a Panini, editora de álbuns de figurinhas e revistas de história em quadrinhos, que resolveu montar um sistema próprio de distribuição.

A dimensão da crise que afeta a Abril, outrora denominada a maior editora da América Latina, pode ser medida, não apenas na redução paulatina do número de suas publicações, nos últimos anos, como fisicamente, pela mudança de endereço, completada neste mês de junho. Por duas décadas instalada no suntuoso edifício Birmann 21, de 24 andares, localizado na marginal do rio Pinheiros, em São Paulo, a Abril passou a ocupar dois prédios acanhados de quatro andares, no condomínio América Business Park, no Jardim Morumbi, na outra margem do Pinheiros.

O início dessa agonia coincide com a morte, em 2013, de Roberto Civita, herdeiro do fundador Victor Civita. Desde então, a Abril se transformou numa espécie de nau sem rumo, com mudanças constantes em seu comando. O último executivo não pertencente à família Civita a ocupar a presidência, o advogado Arnaldo Tibyriçá, permaneceu menos de quatro meses no cargo, demitindo-se em março deste ano. Seu antecessor, Walter Longo, teve seu contrato interrompido antes de completar dois anos.

No lugar de Tibiryça, assumiu Giancarlo Civita, o primogênito de Roberto e neto do fundador Victor, que também preside o Conselho de Administração da Abril. Cabe a Gianca, como é mais conhecido, tentar reverter o prognóstico sombrio lavrado pela PricewaterhouseCoopers (PwC), que auditou o último balanço do grupo.

Ao avaliar os números negativos de 2017 e seu impacto sobre o futuro da Abril, a auditoria afirmou em seu relatório: “Essa situação, entre outras descritas na Nota 1.2, indicam a existência de incerteza relevante, que pode levantar dúvida significativa sobre sua continuidade operacional.”

Em meio ao desafio de recuperar a empresa, o atual presidente acaba de perder seu braço direito, o diretor de operações (COO), Fábio Gallo, que deixou o grupo no início da segunda quinzena de junho. Gallo, que começou a trabalhar na Abril em 2004 e ocupava a diretoria de operações desde 2016, também presidia a Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner).

Segundo pessoas que acompanham a situação da Abril, Giancarlo e seus irmãos Victor Neto e Roberta, estariam considerando duas alternativas para o futuro do negócio. Uma delas é a venda, pura e simples do grupo. A outra seria recorrer à recuperação judicial, recurso que voltou a ganhar força neste ano no país, acionado por empresas em dificuldades, em razão do agravamento da situação econômica.

O certo é que, dificilmente, a empresa poderá se manter apenas à base de cortes de pessoal e de operações. Por mais duras que sejam as providências, elas deverão ser tomadas. Como afirmou, certa vez, o empresário José Mindlin, ao justificar a venda da Metal Leve, que fundara, mergulhada em dificuldades, no começo dos anos 1990: “como dizia Goethe, é preferível um fim com horror, do que um horror sem fim.”

No entanto, qualquer que seja o desfecho, vale a pena relembrar a recomendação do jornalista Paulo Nogueira, fundador deste DCM, ao comentar a situação de empresários que, a exemplo de Mindlin, foram obrigados a desfazer-se de seus negócios ou vê-los encolher: não chore pela família Civita.

A despeito da preocupante situação da Abril, na pessoa física eles vão muito bem, obrigado, De acordo com a revista Forbes, em sua edição de setembro de 2016, os irmãos Giancarlo, Victor e Roberta, integravam, em 11º lugar, a seletíssima lista das 15 famílias mais ricas do Brasil, com uma fortuna avaliada em US$ 3,3 bilhões