Dennys Guilherme, assassinado em Paraisópolis, mostra que favelado não muda as coisas porque morre antes. Por Nathalí

Atualizado em 3 de dezembro de 2019 às 16:03
Dennys Guilherme. Foto: Reprodução

Dennys Guilherme dos Santos, 16; Marcos Paulo Oliveira, 16; Denys Quirino, 16; Gustavo Xavier, 14; Bruno Gabriel dos Santos, 22; Eduardo Silva, 21; Mateus dos Santos Costa, 23; Gabriel Rogério de Moraes, 20; Luara Vitória de Oliveira, 18.

As vítimas do massacre de Paraisópolis tinham nome, endereço, família e sonhos.

Foram interrompidos por uma ação arbitrária da Polícia Militar de São Paulo enquanto tentavam se divertir.

Morreram por asfixia e traumas na coluna: em outras palavras, assassinados com requinte de crueldade.

Dennys Guilherme, de apenas 16 anos, postara no Instagram dias antes: “vou ser pra minha mãe o motivo de tanto orgulho.” Não foi.
Sua mãe teve de enterrá-lo, enquanto os assassinos eram “preservados” pelo Estado, na pessoa do prefeito João Dória, cujas mãos também estão sujas de sangue preto e favelado.

Os parentes das vítimas não conseguiram sequer ver seus corpos no IML. Estavam tão desfigurados que era difícil reconhecê-los.
“Eles mal deixaram a gente ver ela. Não descobriram todo o corpo porque estava todo machucado. A gente deu uma olhada e eles pediram pra gente sair”, disse o tio de Luara, uma das jovens assassinadas no massacre.

Há relatos e vídeos da carnificina: policiais quebrando garrafas no rosto de adolescentes, espancando-os com socos e chutes, cegando-os com balas de borracha e por fim debochando enquanto sangravam.

Gabriella Talhaferro, de 16 anos, conta à BBC que um dos policiais mirou em seu rosto, atirou e sorriu.

Bruno Gabriel saiu para comemorar seu aniversário no Baile da 17, e voltaria pra casa pra comer seu prato preferido, que fora preparado pela mãe: voltou pisoteado num caixão. Luara, órfã de pai e mãe, era o orgulho dos avós.

Eduardo Silva era mecânico e deixou um filho. Gustavo Cruz estampava um sorriso com tanta frequência que seu apelido era “risadinha” – nunca mais rirá.

É necessário dizer e lembrar que essas pessoas eram pessoas, e é necessário por um único grande motivo: porque a narrativa oficial brasileira transforma favelados assassinados em estatísticas.

A consternação é evitada transformando seres humanos em números – desumanizados, bestializados, brutalizados.

Quando da tragédia na boate em Santa Maria – ali, sim, uma tragédia – o clima geral era de solidariedade. Branco burguês morrendo em boate gera consternação. Quando a chacina – aqui não se pode falar em tragédia – acontece num baile funk, o discurso é outro: “se estivessem em casa, nada disso teria acontecido.”

A verdade é que pobre não tem direito de se divertir. Pobre só tem o direito de trabalhar pra aumentar a fortuna de alguém. “Sim senhor, sim senhora, obrigada pela gorjeta de fome.”

Dennys Gabriel recusou esse lugar: queria honrar sua liberdade, viver em plenitude, desfrutar a vida à qual pensava ter direito. O povo não quer só comida, o povo quer comida, diversão e arte.

Ele se atreveu a querer viver, dar orgulho aos seus pais, ocupar um lugar nesse país que também deveria ser seu. Mudar as coisas, enfim.

É demais para a São Paulo de João Dória, onde a polícia atira pra matar. Dennys descobriu da pior maneira possível o que nós já sabemos – e dói tanto: favelado não muda as coisas porque morre antes.

Pelas vítimas do massacre de Paraisópolis, nenhum minuto de silêncio.