Denúncia contra Luiza Eluf confirma modus operandi da Lava Jato: atira primeiro, pergunta depois. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 1 de outubro de 2020 às 0:02
Advogada criminalista Luiza Nagib Eluf. Foto: Reprodução/YouTube

O processo aberto contra a advogada Luiza Eluf é exemplo de como a Lava Jato atua: ela atira primeiro e pergunta depois.

Luiza Eluf virou ré nesta quarta-feira, juntamente com Frederick Wassef e a sócia deste, Márcia Zapiron, e o empresário Marcelo Cazzo.

A advogada, que atua na área criminal, responderá por peculato (apropriação de bem público) e lavagem de dinheiro.

São crimes graves, o que deveria exigir cautela redobrada por parte de quem tem o poder de fazer acusação.

Uma providência simples seria ouvi-la para, então, decidir pelo oferecimento da denúncia ou não.

Mas os procuradores da república no Rio de Janeiro ignoraram o pedido dela, feito por meio de suas advogadas.

Em nota, as defensoras Izabella Borges e Maíra Fernandes disseram hoje, depois que a denúncia foi aceita pela juíza substituta da 7a. vara federal, a de Marcelo Bretas, que Luiza Eluf “lamenta profundamente a decisão genérica da Justiça Federal”.

“Luiza foi denunciada sem jamais ter sido ouvida pelos Procuradores da República”, prossegue a nota.

“Ela reafirma com veemência sua inocência, confiante de que comprovará sempre ter trabalhado de forma correta e transparente, e não permitirá que falsas acusações maculem sua vida pública”, destaca.

As advogadas consideraram que há perseguição, “fruto da chamada Justiça do espetáculo, que é extremamente danosa ao nosso país.”

“Luiza Eluf afirma que não praticou crime algum, que o serviço foi prestado conforme contrato, as notas emitidas, os tributos recolhidos”, finaliza a nota.

Ex-procuradora e ex-secretária nacional dos Direitos da Cidadania no governo de FHC, Luiza foi arrastada para o centro de um escândalo pela delação premiada de Orlando Diniz, que foi presidente da Fecomércio, no Rio de Janeiro.

Preso duas vezes por utilizar o mesmo esquema de lavagem de dinheiro de Sergio Cabral, Diniz vinha tentando acordo de delação desde 2018 — que só foi homologado, segundo a revista Época, depois que ele aceitou acusar grandes escritórios de advocacia.

Em troca da delação, Diniz ganhou a liberdade e o direito de ficar com determinada quantia depositada no exterior — as cifras vaiam de US$ 250 mil a US $ 1 milhão.

Vídeos disponíveis na internet, que registram o depoimento prestado aos procuradores, revelam de maneira cristalina a tentativa de seus interrogadores de dirigir sua fala.

A intenção parece ser a de criminar escritórios de advocacia. Há uma cena em que Diniz passa a mão na barba nervosamente, enquanto uma procuradora e um procurador tentam colocam palavras em sua boca.

Um escândalo.

Diniz está visivelmente acuado. Ele pondera:

“É preciso deixar claro que cada escritório é uma situação. Quando generaliza, eu fico preocupado de atribuir a um escritório uma situação que, por exemplo, seja diferente de outro”.

O procurador responde, ríspido:

“A situação deles é muita parecida. Ou todo mundo fez a mesma coisa, ou ninguém não fez nada. Está bem claro”.

Ora, se o procurador sabe mais que o delator, por que ouvi-lo? Ao que parece, ele buscava apenas formalizar uma narrativa da qual ele próprio já estava convencido.

No livro “Os filhos da Rua Arbat”, de Anatoli Ribakov, comportamentos desse tipo são muito bem descritos.

Procuradores russos ambiciosos queriam entregar a Stálin a encomenda, a condenação dos oponentes do ditador.

Essa triste página da história ficou conhecida como “Os processos de Moscou”.

Alguns oponentes de Stálin foram sentenciados à morte, outros mandados para a Sibéria.

Quando os crimes contidos nestes processos foram revelados, no governo do sucessor de Stálin, Krushev, era tarde demais.

É claro que, no Brasil, não há um ditador que encomende processos, mas não há dúvida de que denúncias espetaculares fortalecem um núcleo de poder instalado no seio do Ministério Público.

Luiza Eluf fez carreira no Ministério Público e é autora de best-sellers como “A Paixão no Banco dos Réus”, em que relata casos de feminicídio, quando ainda nem existia esse termo.

No governo de Dilma Rousseff, por iniciativa do então presidente do Senado, José Sarney, foi formada uma comissão de juristas para elaborar o anteprojeto do novo Código Penal.

Luiza fazia parte desse grupo e foi voto vencido na proposta para incluir na legislação o tipo penal do feminicídio.

Mas ela própria não se deu por derrotada e procurou a então ministra de Política para Mulheres, Eleonora Menicucci, e apresentou a proposta, que foi encampada por Dilma Rousseff e transformada em proposta legislativa, mais tarde aprovada.

Quando se aposentou do Ministério Público do Estado de São Paulo, já procuradora, ela abriu um escritório de advocacia em São Paulo e passou a atuar na área criminal.

Defendeu alguns clientes da Lava Jato e foi contratada para acompanhar sindicâncias na Fecomércio do Rio de Janeiro, alvo de uma disputa acirrada, que envolveu o então presidente da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Antônio Oliveira Santos, homem que governou a entidade durante décadas.

A disputa teve desdobramento na vida pessoal de Diniz, que se separou da esposa, Daniele Paraíso, depois de descobrir que ela supostamente teve caso extraconjugal com um advogado.

Diniz dividia com Daniele, mas também a profissional. Ela era também funcionária da federação, com salário de R$ 40 mil.

Então presidente, ele passou a suspeitar que Daniele vazava informações da Fecomércio com o objetivo de enfraquecer sua administração.

Luiza Eluf teria sido contratada para dar assistência jurídica em sindicâncias para apurar justamente má conduta de funcionários.

Entre os casos investigados, pode estar o de Daniela Paraíso? Pode. Mas, como ela era funcionária da Fecomércio, não se pode falar que dinheiro do sistema S estaria sendo desviado para resolver problemas pessoais de Diniz.

Era um problema pessoal que teve reflexos na atividade institucional. Frederick Wassef, também advogado, passou a atuar em parceria com Luiza Eluf.

Essa parceria se deu entre 2016 e 17, quando Wassef já era próximo de Jair Bolsonaro, mas este era visto com um candidato que faria no máximo 20% dos votos, ajudaria a eleger uma grande bancada de deputados federais, mas não tinha chance de se eleger presidente.

Portanto, não faz sentido a hipótese de que a subcontratação de Wassef estivesse ligada à lobby junto a órgãos do governo federal.

“Ele (Wassef) tem um talento incrível para lidar com escrivães de polícia”, disse o empresário Ivan Guimarães, próximo de Orlando Diniz, em depoimento na investigação do Ministério Público Federal.

Sim, e onde está o crime?

Numa entidade que tinha judicializado a disputa interna, com funcionários suspeitos de conspirar contra o presidente, um advogado pode ser acionado para fazer investigações defensivas e minimizar danos, tanto em tribunais quanto na polícia.

Luiza Eluf não atendeu ao pedido de entrevista do DCM e se manifestou por meio de nota. Nela, como descrito acima, garante que serviços foram devidamente prestados.

Sua situação é a mesma de outros advogados renomados que a Lava Jato do Rio de Janeiro decidiu colocar no banco dos réus.

Chama a atenção o silêncio dos pares — a reação da OAB foi tímida até aqui, com manifestação de seu presidente, Felipe Santa Cruz, por meio do Twitter.

A sociedade de maneira geral também deve reagir, pois a criminalização da advocacia só interessa àqueles que acreditam que deve existir um estado policial, governado por corporações como o Ministério Público e juízes justiceiros.

Não é compatível com a civilidade.

“Cumprir a Constituição no Brasil hoje é revolucionário”, disse o criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, em live para o DCM TV.

A Lava Jato tem regras próprias.

.x.x.x.x.

Veja o vídeo em que os procuradores colocam palavras na boca de Orlando Diniz: