Depois da humilhação, Ciro busca a infâmia. Por Miguel do Rosário

Atualizado em 26 de maio de 2025 às 22:22
Torre Eiffel e Ciro Gomes. Foto: Reprodução

Por Miguel do Rosário, em O Cafézinho

Após a derrota em 2018, quando obteve 12% dos votos — resultado considerado razoável diante das dificuldades enfrentadas e das vitórias em centros estratégicos como Rio de Janeiro, Porto Alegre e Belo Horizonte —, o ex-governador do Ceará viu sua imagem manchada pela fuga para Paris no segundo turno das eleições presidenciais daquele ano. Aquela atitude vergonhosa prejudicou sua trajetória política e pavimentou o caminho para a humilhação que viria em 2022.

Em 2022, o pedetista decidiu buscar deliberadamente o fracasso — e conseguiu: amargou apenas 3% dos votos, desempenho inferior ao de Simone Tebet, que era uma candidata desconhecida nacionalmente, ao contrário do ex-ministro, que já tinha disputado várias eleições nacionais. Apesar de contar com estrutura partidária e verbas consideráveis — o PDT investiu mais de R$ 15 milhões em sua campanha —, o resultado foi catastrófico.

O mais revelador, contudo, foi o comportamento pós-derrota. O ex-presidenciável não fez qualquer autocrítica, não agradeceu à militância que o apoiou e simplesmente desapareceu das redes sociais. Quando finalmente retornou à cena pública, estava completamente transtornado.

Se antes seus defeitos já eram conhecidos — como o destempero verbal e a inconstância política —, agora esses traços ganharam uma dimensão mais dramática, se é que isso era possível. Tendo passado pela vergonha da fuga em 2018 e pela humilhação autoinfligida em 2022, o ex-governador agora busca a infâmia.

Senadora Janaína Farias (PT-CE). Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Em abril de 2024, o político cearense protagonizou um dos episódios mais lamentáveis de sua carreira ao atacar a senadora Janaína Farias (PT-CE). Em entrevista a um jornal cearense, ele disparou: “Aí vai agora a assessora para assuntos de cama do Camilo Santana para o Senado da República? Onde é que nós estamos?”.

A declaração misógina gerou repúdio imediato. A senadora, que é segunda suplente de Camilo Santana (PT) e havia assumido temporariamente o mandato durante a licença de Augusta Brito, anunciou que processaria o ex-presidenciável. A bancada feminina do Senado propôs um voto de repúdio contra ele, com apoio tanto de parlamentares de esquerda quanto de direita.

Mesmo após a repercussão negativa e uma decisão judicial proibindo-o de repetir as ofensas sob pena de multa de R$ 30 mil, o ex-ministro voltou à carga em maio. Em entrevista ao jornal O Globo, reiterou os ataques: “Ela é, hoje, uma cortesã portando um mandato de senadora. Ela está lá por um capricho do Camilo Santana ou porque ele está sendo chantageado.”

Paralelamente aos ataques misóginos, o ex-governador passou a fazer acusações graves sem apresentar provas. Denunciou um suposto escândalo de corrupção envolvendo precatórios, que classificou como “o maior dos últimos tempos”, numa tentativa de reviver o antipetismo. Especialistas no tema ridicularizaram suas alegações, especialmente porque o governo Lula havia regularizado o pagamento desses débitos.

Na mesma linha, o pedetista passou a veicular acusações de corrupção contra o governo de Elmano de Freitas no Ceará, novamente sem apresentar evidências concretas. O resultado foi previsível: mais descrédito para suas palavras.

Ciro Gomes e Lula participam de debate. Foto: Reprodução

Durante a campanha de 2022, o ex-presidenciável também protagonizou diversos episódios de ataques a jornalistas. Em um debate promovido pela CNN Brasil, em parceria com o SBT e outros veículos, ao ser questionado pela jornalista Tatiana Farah sobre uma possível adesão do PDT à candidatura de Lula em eventual segundo turno, atacou: “Uma das coisas graves que o lulopetismo corrupto tá produzindo no Brasil é a morte do jornalismo.”

Em outra ocasião, durante sabatina do Estadão, o ex-ministro insinuou que o PT havia “intoxicado a cabeça” do repórter Pedro Venceslau, que o questionou sobre uma possível ida a Paris no segundo turno. Em entrevista posterior, chegou a dizer que o jornalista “havia feito trabalho sujo a serviço do gabinete do ódio de Lula” e que “se ele fosse editor do jornal, demitiria o profissional”.

Essas atitudes levaram nove organizações de defesa da liberdade de imprensa, incluindo a Abraji e a Fenaj, a publicarem nota conjunta criticando a postura do político cearense, destacando que ele havia assinado uma carta-compromisso em prol de um ambiente livre e seguro para o exercício do jornalismo nas eleições, mas não cumpriu o acordo.

Em 2024, o ex-governador envolveu-se na campanha municipal de Fortaleza, apoiando o candidato do PDT, José Sarto. O resultado foi mais uma humilhação: Sarto, então prefeito, ficou em terceiro lugar com apenas 11,75% dos votos (164.402 votos), atrás de André Fernandes (PL), com 40,20% (562.305 votos), e Evandro Leitão (PT), com 34,33% (480.174 votos), que disputaram o segundo turno.

O desempenho foi especialmente vergonhoso, considerando que Sarto teve a maior arrecadação entre todos os candidatos — R$ 17,3 milhões — e que o PDT governava a cidade havia 12 anos. Mais grave ainda: José Sarto foi o primeiro prefeito da história de Fortaleza a não conseguir a reeleição.

No segundo turno, o ex-presidenciável adotou um papel dúbio. Enquanto oficialmente não declarava apoio, seus aliados abertamente apoiaram André Fernandes, rasgando toda coerência e histórico progressista ao se alinharem com um candidato radicalmente reacionário, de extrema-direita e ligado diretamente a Bolsonaro. No dia da eleição, fez deliberadamente uma foto com Roberto Cláudio vestindo uma camisa da campanha de André Fernandes, evidenciando seu alinhamento com a extrema-direita. A imprensa também revelou a participação do ex-ministro em reuniões com a equipe de Fernandes, apesar de tentar fingir que não estava envolvido. Enquanto isso, a militância cirista negava essas evidências e atacava qualquer veículo que reportasse os fatos.

Bolsonaristas André Fernandes e Roberto Cláudio. Foto: Dalila Lima/O Estado

Apesar de todas essas forças reunidas contra ele, Evandro Leitão venceu a eleição. Embora tenha sido uma vitória apertada, do ponto de vista político foi gigantesca, representando uma grande humilhação para Ciro Gomes, Roberto Cláudio e seu grupo político, que apostaram todas as fichas no candidato bolsonarista.

Sem rumo político e consumido pelo ódio ao PT, o ex-governador deu seu passo mais controverso em maio de 2025: a aproximação com figuras da extrema-direita no Ceará. Primeiro, declarou apoio a Alcides Fernandes, deputado estadual do PL e pai de André Fernandes, para uma candidatura ao Senado em 2026. “Alcides tem todos os dotes, todas as qualificações. Ele salta longe como homem decente, como uma pessoa nova na política, apesar dos seus 57 anos. É um homem de fé, homem de testemunho”, afirmou o pedetista.

Em seguida, André Fernandes, deputado federal bolsonarista e ex-candidato derrotado à prefeitura, fez um elogio público ao ex-ministro em suas redes sociais. “Durante todo o seu histórico, Ciro mostrou ser uma pessoa preparada e inteligente, com coragem também para enfrentar o governador Elmano”, declarou Fernandes, que antes era crítico ferrenho do pedetista.

Por fim, a aproximação chegou ao ponto de o ex-presidenciável telefonar para André Fernandes durante uma reunião do PL. O político cearense acabou participando da reunião porque André deixou o telefone ligado, permitindo que acompanhasse as discussões.

O apoio foi dado sem qualquer consulta ao PDT, seu próprio partido, que deve ter algum candidato ou apoiar algum candidato pelo Senado em 2026. Mais grave ainda: ocorreu em um momento em que o PL tem como estratégia principal dominar o Senado para potencialmente derrubar ministros do STF e criar condições para novas tentativas de desestabilização democrática.

O mais impressionante é que o ex-governador parece não ter a inteligência política para entender que está sendo usado oportunisticamente pela direita. Os elogios de André Fernandes e o compartilhamento de seus vídeos por bolsonaristas não resultarão em votos para o pedetista ou para candidatos que ele apoie. A direita e André Fernandes não têm qualquer afinidade ideológica com as ideias principais que o ex-ministro defendeu ao longo de sua carreira, especialmente aquelas que contribuíram para o crescimento do Ceará durante sua gestão.

Entre os presentes na reunião do PL em que o ex-presidenciável participou por telefone estava o vereador Inspetor Alberto (PL), que ganhou notoriedade negativa ao maltratar um porco durante a campanha eleitoral de 2024. O Inspetor Alberto foi denunciado e indiciado por maus-tratos a animais e injúria eleitoral, após fazer referência pejorativa ao sobrenome de Evandro Leitão (“Leitão iria para a panela”).

Evandro Leitão comemorando vaga no segundo turno. Foto: Thiago Gadelha/ Sistema Verdes Mares (SVM)

O episódio resultou em um pedido do Ministério Público Eleitoral para condenação do Inspetor Alberto ao pagamento de R$ 100 mil em danos morais coletivos. É com esse tipo de figura que o ex-governador agora se alinha.

Durante todo esse processo, a militância cirista se distanciou completamente do PDT. Hoje, essa base de apoio ataca sistematicamente o próprio partido e suas lideranças, tornando-se uma força política centrada exclusivamente na figura do ex-ministro.

O único elemento que parece unir essa militância é o ódio ao PT — não críticas políticas legítimas, mas um sentimento visceral que reflete o comportamento do próprio ex-governador e de seus seguidores. O ódio político do pedetista e de sua militância ao PT e ao presidente Lula tornou-se a principal motivação política, superando qualquer projeto ou proposta concreta para o país.

O mais chocante nessa trajetória é ver o PDT mantendo um relacionamento absolutamente tóxico, que está arrastando o partido para baixo. Outrora a maior força política do Ceará, a legenda poderia ter assumido o governo do estado em 2022 com a figura de Izolda Cela, que foi preterida devido à sua proximidade com o PT.

Se houvesse maturidade do ex-governador para lidar com a derrota, o PDT poderia ter emergido em 2022 muito maior do que entrou, apesar do revés nacional. A legenda teria mantido todos os seus prefeitos, preservado o quadro de deputados estaduais e federais — que agora, certamente, abandonarão o partido em massa —, além de conquistar o governo estadual. Em vez disso, o partido caminha para um esvaziamento sem precedentes.

As razões alegadas foram puramente cínicas. O ex-governador e seu grupo inventaram uma eleição dentro do PDT, claramente manipulada e feita às pressas, fingindo que a política e os acordos políticos não existiam. Havia um acordo político expresso e público, mas o grupo pedetista cinicamente o ignorou para escolher Roberto Cláudio como candidato ao governo do estado em 2022.

A contradição atinge níveis surpreendentes: a legenda pedetista integra a base do governo Lula no âmbito federal e compõe a administração de Elmano de Freitas no Ceará. Após a vitória de Evandro Leitão, o PDT de Fortaleza declarou apoio oficial ao prefeito petista. Enquanto isso, o ex-presidenciável ataca ferozmente todas essas alianças e se aproxima justamente dos adversários mais radicais desses governos. O partido parece incapaz de romper essa relação prejudicial, mesmo vendo sua relevância política minguar a cada eleição.

Depois da humilhação eleitoral de 2022, o ex-governador agora busca a infâmia política, arrastando consigo o legado de um partido que já foi protagonista da política nacional. Como diria Leonel Brizola: “Ciro está costeando o alambrado”, aproximando-se perigosamente da extrema-direita que sempre combateu.