Chegada a hora da posse do novo presidente do Brasil, os olhos da imprensa estrangeira se voltam para o atual.
“Bolsonaro está num beco sem saída”, diz o jornal espanhol El Mundo, um dos principais do país.
“A política brasileira se encaminha para a data-chave do dia primeiro de janeiro em modo psicodrama e com importantes doses de tensão”, analisa Sebastian Fest, correspondente na América do Sul.
“Chora o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, quando lhe dão o diploma que o certifica enquanto tal, e chora o presidente em exercício, Jair Bolsonaro, em um ato com líderes evangélicos. Chora e se cala ao mesmo tempo o ainda inquilino do Palácio do Planalto”, observava, no último dia 26.
“Por quê? Teme que, se voltar a falar, suas declarações piorem ainda mais sua situação com a justiça e incomodem sua base de seguidores mais radicalizada”.
“Bolsonaro, que nunca reconheceu a derrota para o esquerdista Lula nem felicitou seu rival, passou 37 dias sem emitir uma palavra sequer e praticamente sem ser visto em atividades de governo”.
“Tentou restabelecer-se, mas os movimentos da mudança e limpeza dos escritórios na sede do governo e no Palácio da Alvorada golpearam seu ânimo e voltaram a afundá-lo”, atribui.
“A derrota da seleção do Brasil nas quartas de final do Mundial do Catar também impactou negativamente Bolsonaro e seu movimento político, que havia se apropriado das cores verde e amarelo para convertê-los em símbolo político da direita, que, em sua versão mais extrema, boicotou dias atrás a cerimônia de entrega do diploma a Lula com graves e violentos distúrbios em Brasília”.
O repórter relata o “quase desaparecimento das redes sociais, ferramenta chave para sua vitória em 2018 e para seu excelente desempenho em 2022: suas interações diminuíram 93%, caindo de 7,6 milhões em outubro para 487.700 em novembro”.
“Seus filhos lhe pedem que volte a se colocar em primeiro plano, critique as nomeações ministeriais de Lula e comece a organizar a oposição. Mas o presidente não sabe, não quer ou não consegue. Vê-se no espelho de Trump, e já não gosta da imagem refletida”, afirma.
Destroçado
Na França, circula a imagem de um político em ruínas.
“Uma vez no mais alto escalão, ele deu a impressão de ser ‘um turista do palácio presidencial”, diz o geógrafo brasilianista François-Michel Le Tourneau à revista L’Express.
“O presidente americano (Donald Trump) tem uma trajetória de vencedor. Bolsonaro é um político de segunda que não conseguiu mudar a legislação brasileira, exceto alguns decretos”, compara.
“Até os setores financeiros estão muito decepcionados. Ele não entregou o que esperava-se dele. A constatação de incompetência foi flagrante”, aponta.
“O sistema de voto eletrônico no Brasil é o mais evoluído do mundo, então Bolsonaro não teve lugar para contestação”.
“Jair Bolsonaro se encontra também sob risco de ser descartado. Uma parte de seu eleitorado quer virar a página dos excessos do ex-capitão de artilharia e não seria contra fazer alianças para obter cargos. Certas figuras como Tarcísio de Freitas, o novo governador de São Paulo e apoiador de Bolsonaro, assim como Sergio Moro, o juiz anticorrupção e ex-ministro da Justiça que colocou Lula na prisão, alimentam ambições com vistas a 2026”.
Para a revista francesa, o destino do ultradireitista pode depender do líder do PT, com a quebra do sigilo secreto.
“Depois de ter ido para a prisão e ser inocentado, Lula, que prometeu tornar públicos esses documentos, já tem talvez nas suas mãos o futuro de Jair Bolsonaro”.
Apesar do mal-estar do presidente de saída, o semanário francês indica sua herança. “Os 99 deputados, 13 senadores e 14 governadores aliados, que farão desse Congresso um dos mais conservadores da história da jovem democracia brasileira”.
Bolsonaristas
Se Bolsonaro segue no radar da imprensa estrangeira, também é o caso de seus seguidores.
“Grupos de bolsonaristas extremistas seguem se manifestando diante de quartéis militares pedindo que impeçam a chegada de Lula ao Palácio do Planalto”, diz o El Mundo.
“Lula acabou com seu inimigo Bolsonaro?”, pergunta L’Express. “O presidente de extrema direita se encontra a partir de primeiro de janeiro sem mandato, mas com 58 milhões de partidários. E um verdadeiro poder de perturbação nas redes sociais”.
O jornal francês L’Humanité fala em “bolsonarismo, encubadora de terroristas”.
“A ameaça bolsonarista: perigo para a posse de Lula?”, pergunta.
“As ameaças que pairam sobre as festividades previstas para a posse do novo presidente são levadas bastante a sério”.
“As tensões reinam na população brasileira. Enquanto o anúncio do novo governo prossegue com 21 ministros anunciados de 37, as manifestações de bolsonaristas se intensificam com a prisão de um apoiador do PL”, reporta
“Durante a campanha eleitoral, a Agência Pública identificou 324 casos de violência política, uma média de quatro casos por dia. Aproximadamente 40% são reivindicadas por agressores pro-Bolsonaro contra 7% de pro-Lula e 57%, de indivíduos não identificados”.
O “psicodrama” brasileiro promete fortes emoções.