A deputada estadual Isa Penna (PSOL-SP) está recebendo ameaças de morte. Mais do que xingamentos e grosserias de quem discorda de sua atuação parlamentar – ao que, como não poderia deixar de ser, já está acostumada – o que vem recebendo atualmente a psolista está muitos tons acima.
Uma coisa é ser ofendida por radicais de direita com os mais variados xingamentos. “Outra coisa é receber mensagens de pessoas que já sabemos que possuem armas dizendo que vão me estuprar e me afogar em uma banheira, junto com uma foto segurando um revólver”, explica a deputada, que registrou um boletim de ocorrência na Polícia Civil após o recebimento das ameaças.
E o que despertou a ira dos agressores contra Isa Penna? Resposta: um poema.
No último dia 2, a deputada recitou “Sou puta, sou mulher” (leia a íntegra ao fim desta reportagem), da poeta Helena Ferreira, no plenário da Assembleia Legislativa de São Paulo. Enquanto lia, foi interrompida por Valéria Bolsonaro (PSL), repreendida pelo presidente da Casa, Cauê Macris (PSDB), e ainda ouviu, de Douglas Garcia (PSL), que seria denunciada no Conselho de Ética por falar palavrão na tribuna.
Depois disso, parlamentares, jornalistas e “influenciadores”da extrema direita em geral passaram a hostilizar Isa Penna nas redes sociais.
O passo seguinte foram as ameaças de morte. Abaixo, seguem mensagens enviadas por um dos suspeitos. O gabinete da deputada estadual solicitou que a imagem e a identidade do elemento não fossem expostas.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista que Isa Penna concedeu ao DCM nesta sexta-feira(18).
Diário do Centro do Mundo – A senhora é constantemente hostilizada nas redes sociais. Por que decidiu lavrar um boletim de ocorrência desta vez?
Deputada estadual Isa Penna – Uma coisa é ser ofendida por radicais de direita com os mais variados xingamentos. Outra coisa é receber mensagens de pessoas que já sabemos que possuem armas dizendo que vão me estuprar e me afogar em uma banheira, junto com uma foto segurando um revólver.
DCM – A senhora teme pela própria vida?
I.P. – Sempre soube que receberia ameaças e hostilidades. O estado patriarcal brasileiro foi criado com base na violência, desde a submissão dos povos indígenas até hoje, com a violência policial em manifestações populares, por exemplo. Então, sabia que não seria diferente com uma deputada mulher, jovem (28 anos) e feminista. Então, temos coragem para enfrentar o que for necessário, mas também ninguém quer outra Marielle (Marielle Franco, vereadora carioca do PSOL assassinada no ano passado). Até por respeito e em nome dela, é preciso combater esse tipo de violência.
DCM – Após a leitura do poema, muitas figuras de expressão da direita foram às redes sociais para hostilizá-la. A senhora acredito que este tipo de postura incentiva o envio de ameaças como a que está recebendo?
I.P. – Sem dúvida. As pessoas se sentem autorizadas a dar um passo a mais, seguir os exemplos. Mas não vão nos intimidar.
DCM – O poema lido na tribuna, embora seja forte, contundente e sem floreamentos, não traz nenhuma ofensa ao parlamento paulista ou a quem quer que seja. Apesar disso, a senhora foi denunciada ao Conselho de Ética da Assembleia Legislativa por ter lido. O que leva a este tipo de reação?
I.P. – O machismo e a hipocrisia. A gente sabe que muitos dos que criticam, inclusive muitos dos políticos que criticam, são clientes da prostituição, pagam pelos seus serviços. Mas o que não pode é escancarar essa realidade na tribuna da Assembleia. Hipocrisia é o que os move.
Sou puta, sou mulher (Helena Ferreira)
Quando uso a boca vermelha
Meu salto agulha
E meu vestido preto.
Sou puta
Mordo no final do beijo
Não fico reprimindo desejo
E nem me escondo na aparência de menina.
Sou uma puta de primeira
Pego ônibus debaixo de chuva
Não dependo de salário de macho
E compro a pílula no final do mês.
Sou uma puta com P maiúsculo
Dispenso o compromisso
Opto pela independência
Não morro de amor
Acordo sozinha
Cresço sozinha
Vivo na minha
Bebo em um bar de esquina
Vomito no chão da cozinha.
Sou uma putinha
Passo a noite em seus braços
Mas não me prendo no laço
Que você quer me prender.
Sou puta
Você tem o meu corpo
Porque eu quis te dar
E quando essa noite acabar
Eu não vou te pertencer
E se de mim você falar
Eu não vou me importar
Porque um homem que não me faz gozar
Nunca terá meu endereço.
E não é gozo de buceta
É gozo de alma
É gozo de vida
É me fazer sentir amada
Valorizada
E merecida
E se de puta você me chamar
Eu vou agradecer.
Porque a puta aqui foi criada
Por uma puta brasileira
Que ralava pra sustentar os filhos
E sofria de racismo na feira
Foi espancada e desmerecida
E mesmo sofrida
Sorria o dia inteiro
Uma puta mulher ela foi
E puta também eu quero ser.
Porque ser mulher independente
Resolvida
Segura
Divertida
Colorida
E verdadeira
Assusta os homens
E os machos
Faz acontecer um alvoroço.
Onde já se viu mulher com voz?
Tem que ser prendada e educada
E se por acaso for “amada”
Tem direito de ser morta pelo parceiro
Cachorra adestrada pelo povo brasileiro
Sai pelada na revista
Excita
Dança
Bate uma
Cai de boca
Mama ele e os amigos
E depois vai ser encontrada num bueiro
Num beco
Estuprada
Porque tava de batom vermelho
Tava pedindo
Foi merecido
E se foi crime “passional”
Pobre do rapaz
Apaixonado estragou a própria vida.
Por isso que eu sou puta
Porque sou forte
Sou guerreira
Não sou reprimida
Nem calada
Sou feminista
Sou revoltada
Indignada
E sou rotulada assim
Como PUTA!
Então que eu seja puta
E não menos do que isso.