Deputado que ameaçou Lula com arma enviou dossiê contra Padre Júlio ao Vaticano

Atualizado em 18 de dezembro de 2025 às 21:01
Deputado Junio Amaral (PL-MG)

O deputado federal Junio Amaral (PL-MG) e sua esposa, Marília Amaral, figuram como autores de denúncia formal apresentada contra o padre Júlio Lancellotti. O material foi encaminhado tanto à Embaixada da Santa Sé, em Brasília, quanto a um dicastério do Vaticano, em Roma.

O dossiê que tenta incriminar o religioso recicla acusações antigas, já arquivadas por absoluta falta de provas, e aposta em insinuações sem lastro factual. Entre elas estão um suposto relacionamento homoafetivo com um ex-interno da antiga FEBEM, uma denúncia de assédio sexual envolvendo um ex-coroinha e a alegação de troca de conteúdo pornográfico com um menor de idade — todas já descartadas pelas instâncias competentes.

Essas acusações mais graves ocupam apenas duas das 284 páginas do documento e não apresentam qualquer evidência concreta: não há datas, provas materiais, testemunhos consistentes ou decisões judiciais que lhes deem respaldo. Outras imputações, ainda mais frágeis, preenchem outras duas páginas e beiram o absurdo: o padre teria “recebido passe de uma mãe de santo”, “afirmado que a Igreja Católica foi fundada por Constantino”, feito “uso político da Santa Missa” ao mencionar expressões como “Palestina Livre” e “Sem Anistia”, além de comentar um filme que retrata Santa Marina como uma pessoa trans.

Todo o restante do material é composto basicamente por recortes de matérias jornalísticas e por uma perícia encomendada pelo vereador Rubinho Nunes (PL-SP), que tentou, sem sucesso, abrir uma CPI contra o padre Júlio Lancellotti na Câmara Municipal de São Paulo. A tentativa fracassou após a perícia ser considerada inconsistente tanto pelo Ministério Público quanto pelo Judiciário, além de não encontrar respaldo na Arquidiocese de São Paulo. Em todas essas esferas, o caso foi dado como encerrado.

Perícia usada como trunfo já foi desmontada por especialista

O perito responsável pela denúncia mais grave, do suposto vídeo, Reginaldo Tirotti, teve seu trabalho amplamente questionado por falhas técnicas relevantes. Em debate público no podcast Inteligência Ltda., Tirotti e sua filha, Jaqueline — que também atuou na análise do material atribuído ao padre — foram confrontados pelo professor Mário Gazziro, especialista em Engenharia da Informação e segurança da informação, com atuação na UFABC e na USP.

O confronto escancarou pelo menos cinco falhas centrais na perícia apresentada: a assunção arbitrária do ano de produção do material analisado; a indução de leitores leigos por meio do uso excessivo de imagens verdadeiras do suposto acusado; a omissão de elementos relevantes da análise com o uso seletivo de marcadores visuais; a utilização de características comuns ao envelhecimento como “indício” de culpabilidade; e uma análise prosopográfica incompleta e claramente tendenciosa.

Confira o trecho em que Mário Gazziro aponta fraude processual de Arthur do Val, o “Mamãe Falei”, no caso:

O episódio reforça a percepção de que o dossiê não passa de uma peça política, construída para alimentar uma campanha de desgaste público contra um dos principais símbolos da atuação humanitária da Igreja Católica no país.

Veja o programa na íntegra:

Deputado diz que Padre Júlio deve receber novas sanções, além da censura

Em entrevista ao canal de extrema-direita Braddock Show, o casal afirmou acreditar que a ordem de censura não partiu do cardeal Dom Odilo Scherer, mas diretamente do Vaticano. Durante a apresentação, o apresentador Jorge Serrão, também jornalista da Gazeta do Povo, de extrema-direita, imprimiu tom ideológico ao episódio.

“O padre gritou ‘Sem anistia’, ‘Palestina Livre’, e narrou um filme sobre trans, imagine, uma santa trans”, diz.

Junio Amaral afirmou ter convicção de que a censura sofrida por Lancellotti é consequência direta de sua ação junto ao Vaticano por meio de seu gabinete parlamentar.

“Recebemos a resposta do Vaticano no dia 24 de novembro, nos informando que as denúncias estavam sendo tratadas dentro das esferas competentes do Vaticano”.

O deputado do PL também sugeriu que novas punições podem ser aplicadas ao sacerdote. “Circula nos bastidores a possibilidade de ele ser afastado da função em que está, embora a gente não tenha confirmação disso”, declara.

Esposa do deputado acusa Poder Judiciário de blindar Padre Júlio

Marília Amaral, por sua vez, classificou a punição como um marco simbólico.

“Tenho convicção que esse é o começo de uma nova era para que os sacerdotes terão mais responsabilidade com aquilo de sagrado que receberam na ordenação. O que o Júlio fez ao longo dos anos foi acobertado por questões políticas e ideológicas e eu falo como católica e fiel leiga”, inventa.

Em outro momento da entrevista, Marília fez acusações graves sem apresentar provas, afirmando que o padre teria sido protegido por agentes políticos e do Judiciário, além de alegar contato com supostas vítimas.

“Não pretendemos parar, a ideia agora é reunir as vítimas, pelo menos quatro pessoas que sofreram abusos desse sacerdote, nos procuraram dispostas a dar entrevista e denunciar, então agora vamos refinar essa denúncia para transferir para a área penal e colaborar com o Ministério Público de São Paulo que já recebeu uma denúncia do vereador Rubinho Nunes (PL-SP) para que isso não se limite ao âmbito da paróquia e que ele seja punido pelos crimes que cometeu”, diz.

 

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Deputado Junio Amaral já foi condenado por fake news e gravou vídeo ameaçando Lula com uma arma

Cabo da Polícia Militar de Minas Gerais, Junio Amaral já foi condenado por crime eleitoral. A Justiça Eleitoral concluiu que ele divulgou “informação sabidamente falsa” durante a eleição municipal de 2024, quando concorreu à Prefeitura de Contagem. A penalidade resultou em multa de R$ 5 mil.

Na ocasião, Amaral disseminou acusações falsas de fraude contra uma pesquisa eleitoral do Instituto Doxa, realizada em parceria com a Rádio Itatiaia. A então candidata Marília Campos (PT) ingressou com ação judicial para remoção do conteúdo. A defesa do deputado recorreu, mas o Ministério Público Eleitoral rejeitou o recurso.

Em 2022, o parlamentar também protagonizou um episódio grave ao divulgar um vídeo em que ameaça o então ex-presidente Lula portando uma arma de fogo. Na gravação, ele reage a um discurso no qual Lula defende mobilização política da militância.

“Bom, Lula, você não sabe onde eu moro, mas vou lhe explicar. Sou de Contagem, cidade governada pelo PT, inclusive, região da Ressaca, bairro Cabral. A rua principal ali deve ter de 10 a 15 buracos. Por volta do décimo primeiro, décimo segundo buraco você vai ver a minha casa. Pergunta à Marília (prefeita da cidade) que ela conhece bem as ruas e os buracos do Cabral e pode te orientar. E eu vou esperar vocês lá, tanto sua turma quanto você”, falava no vídeo.

No mesmo ano, Amaral teve suas contas suspensas em plataformas digitais como o X (antigo Twitter), ao lado de Bia Kicis, Carla Zambelli e Nikolas Ferreira. A medida foi determinada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, em razão da divulgação de conteúdos considerados violadores das diretrizes legais.

Thiago Suman
Jornalista com atuação em rádio, TV, impresso e online. É correspondente do Daily Mail, da Inglaterra, apresentador do DCMTV e professor de filosofia e sociologia, além de roteirista de cinema e compositor musical premiado em festivais no Brasil e no mundo