Desesperado, Dallagnol tenta justificar fake news sobre censura à Bíblia

Atualizado em 25 de abril de 2023 às 23:50
Deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR). Foto: Reprodução

 

O deputado federal Deltan Dallagnol fez uma longa thread em seu perfil no Twitter nesta terça-feira para tentar explicar a mentira difundida por ele de que o projeto de lei das Fake News proibiria até versículos bíblicos. Acompanhe:

Ferrou! A esquerda está me acusando de fake news! Faça seu julgamento: isso pode confirmar a necessidade de um projeto de censura ou pode confirmar a necessidade de proteger a liberdade de expressão contra as investidas da esquerda! Siga o fio para saber a verdade.

Fake news ou censura à verdade desagradável? Deputados de esquerda e a agência de factchecking AosFatos afirmaram que produzi desinformação por causa do seguinte post feito na última segunda-feira em crítica contra o PL da censura:

Você pode concordar ou não com o conteúdo dos versículos, não é isso que está em questão e sim a liberdade de expressão, de crença e de pregação em igrejas e nas redes sociais. O projeto em discussão no Congresso enquadra esses textos como conteúdo a ser restringido, como mostro:

O texto de Efésios afirma: “mulheres, sujeitem-se aos seus maridos”. Diz ainda que “o marido é o cabeça da mulher”, recomendando que as “mulheres estejam em tudo sujeitas aos maridos”. Esse conteúdo pode ser enquadrado pelo projeto como discriminação pelo sexo.

Diz o texto de Romanos: “homens também abandonaram as relações naturais com mulheres e se inflamaram de paixão uns pelos outros. Começaram a cometer atos indecentes”. O conteúdo pode ser enquadrado como homofobia pelo projeto.

No texto de Mateus, Jesus afirma: “não cuideis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer paz, mas espada”. Em razão da vagueza dos conceitos do projeto, esse conteúdo pode ser enquadrado por algoritmos como texto que incita a violência, restringindo seu alcance.

Como assim? O projeto de lei prevê em seu artigo 1º que não restringirá manifestações religiosas, políticas e culturais, como segue abaixo, o que foi usado pela agência AosFatos para enquadrar meu post como desinformação:

Contudo, a leitura dos críticos é equivocada. É difícil alguma manifestação que não se enquadre nas categorias acima. O espírito da lei é cercear abusos de manifestação dentro das categorias acima e o problema mora nos detalhes: o que é abuso de liberdade de expressão?

O art. 4º do projeto estabelece dentre os objetivos da lei “o incentivo a um ambiente livre de…discriminações em virtude de…sexo, religiosidade, orientação sexual…”. Assim, versículos acima, ou críticas a religiões, poderão ser enquadrados dentro do objeto da lei.

O art. 7º da lei prevê a punição da rede social com multa de até R$ 50 milhões por infração caso não atenue “riscos sistêmicos” relacionados a danos a direitos fundamentais da Constituição, à violência de gênero e a temas cívicos, político-institucionais e eleitorais.

São previsões vagas e muita coisa pode ser enquadrada como risco a direitos fundamentais, que estão em uma extensa lista na Constituição. Dentre os direitos está à honra e dignidade. Uma crítica ácida é um risco à dignidade? Defender impeachment é risco político-institucional?

Contra os riscos sistêmicos, as plataformas precisarão adotar “medidas de atenuação razoáveis, proporcionais e eficazes”. Quem avalia se agiram de modo adequado? O governo, por meio de uma entidade que poderá ser aparelhada politicamente e ideologicamente.

Isso cria um evidente incentivo para que as plataformas pequem pelo excesso de cautela e derrubem ou restrinjam o alcance de conteúdos como o daqueles versículos por terem certas palavras. A análise não será individualizada e humana, mas robotizada, via algoritmos, e em massa.

O artigo 11 do projeto estabelece ainda o dever de cuidado e a responsabilização das redes sociais quando não “atuar preventivamente em face de conteúdos POTENCIALMENTE ilegais” que configurem crimes de racismo, homofobia e violência de gênero.

Card de divulgação de fake news de Deltan Dallagnol. Reprodução

É claro que racismo, homofobia e violência devem ser banidos, mas quem dirá se aconteceu? As redes sociais deverão excluir conteúdos que “potencialmente” configurem esses crimes, automaticamente, por algoritmos, sob pena de pesadas multas governamentais.

Mais uma vez: haverá um pesado incentivo para exclusão automatizada e massiva de conteúdos legítimos junto com os conteúdos criminosos. O bebê pode ser jogado fora junto com a água suja do banho. É preciso combater sim fake news mas proteger discurso legítimo.

Mais uma vez 2: não importa se você concorda ou não com o discurso religioso, seja cristão, muçulmano, budista ou de matriz africana. A questão é defender a liberdade de expressão de todos e e a liberdade religiosa de modo plural.

Depois das nossas denúncias, várias entidades e pessoas se manifestaram – obrigado a vocês!- e o relator do projeto excluiu vários trechos que restringem a liberdade religiosa, divulgando uma nova versão hoje à tarde. Contudo, o projeto segue com muitos problemas.

Dentre os problemas, estão a vagueza da definição de riscos sistêmicos como ameaças a direitos fundamentais, a obrigação genérica de moderação e a supervisão sobre esses riscos e a aplicação de multas pelo próprio governo, que seguirá controlando, na prática, o que você diz.

Para piorar, há um “protocolo de segurança” que o governo pode decretar por 30 dias e restringe ainda mais o discurso nas redes, o que tem a cara de estado de exceção ou de sítio, algo que lembra políticas de comunicação ditatoriais de países como Cuba, Venezuela e Rússia.

Em resumo: o projeto dá um cheque em branco para o governo censurar. Isso é ruim seja o governo de direita ou esquerda, mas preocupa ainda mais quando o governo é amigo de ditaduras e já violou leis anticorrupção para perpetuar seu poder, o que tem penas maiores do que censura.

Hoje a Câmara aprovou a urgência do projeto, o que permite que seja votado na semana que vem ou até mesmo amanhã. Vou lutar para que o projeto seja aperfeiçoado – e precisa melhorar muito – e, se não for, lutarei para que o Brasil não seja amordaçado.

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