Desmazelo ou incompetência? Procurador conta como site “Antagonista” usou sua foto em “notícia” sobre PCC

Atualizado em 23 de novembro de 2016 às 22:04

luiz carlos

Publicado no Justificando.

POR LUIZ CARLOS DOS SANTOS GONÇALVES, Procurador Regional da República.

 

A notícia da prisão de membro do CONDEPE, Conselho Estadual de Direitos Humanos de São Paulo, veio acompanhada, na mídia social de “O Antagonista”, da foto da pessoa e a frase “Direitos Humanos do PCC”. A sugerida correlação entre defesa dos direitos humanos e crime organizado foi, de pronto, apreendida por um grande número de comentadores, dentre os milhares que curtiram ou compartilharam a postagem. Houve quem dissesse para “marcar bem a cara desse canalha”, outro propôs “chumbo nele”. Um terceiro observou que terrorista bom é terrorista morto.

Nunca fui favorável à divulgação de imagens e vídeos de pessoas presas ou processadas. Acredito que a resposta à cultura da impunidade que ainda vejo no país é o devido processo legal. Que se faça a investigação, a denúncia e o processo. Se o veredito for condenatório, que se cumpra a pena. A divulgação de imagens e vídeos condena antes do processo e permite que paixões extremas  – como o desejo de vingança – aflorem, juntamente com esse ódio que habita sob a pele de tanta gente e é exposto com tanta desenvoltura nas mídias sociais.

Tampouco jamais fiz essa distinção primária entre efetividade da atuação estatal e respeito aos direitos humanos. Uma coisa não pode existir sem a outra. Processo Penal que imuniza castas sociais ofende a Constituição; condenações sem amplo direito de  defesa também.

Ocorre que a imagem do preso supostamente ligado ao crime organizado, não era a dele. Era a minha. O “Antagonista”,  por desmazelo, malícia, indiferença ou incompetência, procurou na internet o nome do preso Luiz Carlos dos Santos e, desprezando o fato de que se trata de um nome muito comum, pegou a primeira foto que apareceu e colocou na notícia. O erro crasso perdurou por tempo suficiente para que milhares de compartilhamentos fossem realizados, uns a partir dos outros.

A foto, dos tempos em que fui relator geral da Comissão de Reforma do Código Penal, foi reproduzida à mancheias, sempre acompanhada da observação “Direitos Humanos do PCC”. Noutras tantas vezes, o acompanhamento se fez com a imputação de “Assassino”, que autorizaria a recomendação de “matar ele também”.  Meu rosto ilustrava o pedido de alguém para “marcar bem a cara desse canalha”. Tornei-me o terrorista, o assassino, o bandido, o que deve morrer. Quando afinal a foto foi retirada da publicação original, ela já havia se disseminado pelos mundos da internet. Ainda esta lá, se aquela ferramenta comum de busca de imagens for acionada. Nem se lembraram que meu nome agrega o sobrenome “Gonçalves”.

Eu, Luiz Carlos dos Santos, ele mesmo, fui confundido com o Luiz Carlos dos Santos, o outro.

Até agora, sem retratação.

A trapalhada levou a uma profusão de contatos: familiares, parentes, amigos, colegas do Ministério Público Federal e Estadual, o pessoal de Brasília onde trabalhei, alunos, ex-alunos, conhecidos das redes sociais… Todos queriam saber se eu era eu (ou o outro); se eu estava preso ou solto. Uma ex-aluna, simpática, trouxe a profissão de fé: “eu tenho certeza de que o Senhor vai provar sua inocência, professor”.

O dia foi terrível. Peguei desconfiado o metrô, cismando que todo mundo olhava para mim. Afinal, “marquem bem a cara desse canalha”, pedia uma mensagem. Uma moça me olhou de modo interrogativo e me imaginei descoberto, mas era só para perguntar se eu, em razão da minha quase ancianidade, queria me sentar.

Outras imagens minhas foram incluídas, noutros endereços da internet, uma delas com a plaquinha da Comissão de Reforma do Código Penal, que tantas vezes defendi, quem sabe se para sugerir que se trata de outra artimanha do crime organizado. A acusação foi incrementada: tornei-me lavador de dinheiro. Ao fim, além do Luiz Carlos-eu-mesmo e do Luiz Carlos-o-outro, surgiu um terceiro, um golem hibrido de maldades, pronto para receber invectivas raivosas, repetidas sem nenhuma verificação, nenhum cuidado ou desconfiança…

É isso a internet?

O absurdo que me acometeu não é a parte principal do problema. Sim, vou ao Judiciário contra o que considero uma afronta. Só que tanto faz se a imagem era errada ou certa, se era de um governador ou de um ex-governador, de um presidente ou de um ex-presidente, de um ladrão ou de um quadrilheiro, de um indigente ou de um policial, de alguém ou de um zé-ninguém.

Entende-se o interesse jornalístico (quando seguido do mínimo padrão de decência e confirmação). Entende-se que os agentes públicos tem o dever de prestar contas de seus atos. Só que tudo isso pode ser feito sem achincalhe, sem demasia, sem condenação apriorística. A divulgação de imagens e vídeos de gente presa e processada incita a intolerância, o extremismo e o ódio e, portanto, é errada.

Eu, Luiz Carlos dos Santos, o outro, lamento o que também ocorreu com o Luiz Carlos dos Santos, ele próprio. Quanto ao mais, que venha o devido processo.