Desvio do Fundeb para pagar “Renda Cidadã” vai afetar 17 milhões de alunos da rede pública

Atualizado em 30 de setembro de 2020 às 8:55

Originalmente publicado por DIÁLOGOS DO SUL

Por MARIANE BARBOSA

O governo de Jair Bolsonaro anunciou, nesta segunda-feira (29), um acordo para financiar o Renda Cidadã, novo programa que substituirá o auxílio emergencial e o Bolsa Família, que hoje paga, em média, R$ 191.

A criação do programa já era discutida há algum tempo nas redes, onde nomes como “Renda Verde e Amarela” chegaram a ser cogitados. O que faltou discutir foi de onde esse dinheiro seria retirado para investir no Renda Cidadã.

Segundo Bolsonaro, o programa terá pelo menos R$ 25 bilhões a mais do que o Bolsa Família e a quantidade de beneficiários mensais deverá aumentar dos atuais 14,2 milhões para 24 milhões de pessoas de baixa renda.

Para financiar o programa, a proposta do governo Bolsonaro é usar 5% dos recursos do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), além de dívidas de precatórios, que são os títulos da dívida pública reconhecidos após decisão definitiva da Justiça.

De acordo com a Revista Exame, o interesse do governo no Fundeb decorre do fato de o fundo não ser incluído nos limites do teto de gastos. Esse desvio apresentado equivale a R$ 8 bilhões a menos no Fundeb por ano, dentro dos valores de hoje, o que afetará 2,7 mil municípios e 17 milhões de alunos, quase metade dos 39 milhões de estudantes da rede pública brasileira.

O impacto maior será nos municípios mais pobres, porque são essas regiões que recebem recursos da União no Fundeb. “Os estados que já conseguem, sozinhos, chegar a um valor mínimo por aluno não recebem ajuda do governo federal via fundo”, diz trecho da matéria da Exame.

Brasil não precisa atacar a Educação

Para o especialista em educação Daniel Cara, o uso de recursos do Fundeb para o pagamento do novo programa Renda Cidadã é “inaceitável” por dois motivos: 1) o direito à educação ficará inviabilizado; 2) o Brasil não precisa atacar a educação para viabilizar um programa. “Basta mudar a linha econômica”, diz.

“Alguns argumentam que tirar recursos do Fundeb não fará diferença. Dizem: ‘a educação já vai mal’. Vamos explicar: a educação sempre teve meio prato de comida. Precisa de um. Com o novo Fundeb, podemos chegar a três quartos, ou seja, ainda vai faltar. Mas tirando dinheiro, a fome não muda. É desumano!”, alertou nas redes sociais.

Outras fontes

Uma linha econômica diferente, por exemplo, foi citada pelo deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP). Em vídeo postado nas redes sociais, Zarattini repudiou a atitude do governo Bolsonaro e relembrou a proposta econômica do Partido dos Trabalhadores de arrecadar dinheiro para investir nos setores públicos.

“Nós, queremos tirar o dinheiro dos bilionários, nós precisamos que os bilionários paguem imposto no Brasil, porque eles não pagam quase nada, quem paga imposto no Brasil é o pobre e a classe média”, disse. “Precisamos ampliar o Bolsa-Família, mas vamos cobrar de quem tem muito e não tirar dinheiro da educação do povo brasileiro, que depende da educação pública.”

ONG fala em “sacrifício”

Em nota, a ONG Todos Pela Educação classificou como “alarmante” a “tentativa do Governo Federal de burlar a Lei do Teto utilizando os recursos do Fundeb” para o novo programa e repudiou a “estratégia despreocupada” com a construção de políticas educacionais que garantam a educação a crianças e jovens.

No documento, a ONG reforça a necessidade de ampliar a rede de proteção social com aumento das transferências de rede, mas pontua que “isso não pode fragilizar políticas sociais que têm efeitos estruturais e complementares, como é o caso do Fundeb”.

“Há outros caminhos para financiar o mecanismo de transferência de renda sem desequilibrar a balança da justiça social quanto à responsabilidade fiscal — basta olhar para os privilégios que têm sido mantidos, mesmo durante o momento de crise que assola o Brasil. Sacrificar o orçamento da Educação custará décadas de desenvolvimento socioeconômico no nosso País”, diz trecho da nota.