“Deus é antivacina”: evento celebra negacionismo do governo Trump

Atualizado em 10 de novembro de 2025 às 16:00
RJK Jr.

Em Austin, Texas, cerca de mil apoiadores de Robert F. Kennedy Jr. se reuniram no fim de semana para uma conferência que marcou uma virada simbólica no movimento que ele inspira. O encontro, chamado Momento da Verdade e organizado pela ONG Children’s Health Defense (Defesa da Saúde das Crianças), fundada por Kennedy, adotou com orgulho um termo que antes considerava ofensivo: “antivax”.

“Deus é antivacina e precisa que vocês se manifestem”, disse Del Bigtree, aliado próximo de Kennedy e ex-diretor de comunicação de sua campanha presidencial, durante uma palestra que retomou seu documentário de 2016 sobre a suposta ligação entre vacinas e autismo — uma tese amplamente refutada por estudos científicos.

Mark Gorton, presidente do MAHA Institute, foi ainda mais enfático: “Precisamos ser mais firmemente antivacina”. Ele criticou o antigo site da organização de Kennedy por, segundo ele, mostrar “um antivacinismo tímido”.

Embora Kennedy — atual secretário de Saúde dos Estados Unidos e o mais conhecido crítico de vacinas do país — não tenha comparecido, sua imagem dominava o evento. No saguão, havia moletons com o logotipo de sua campanha por 60 dólares e enfeites de vidro com seu rosto por 15.

O MAHA Institute é uma organização ligada ao ecossistema antivacina e conspiracionista nos Estados Unidos, associada a figuras como Mark Gorton — empresário que financia grupos de desinformação sobre saúde pública.

O instituto se apresenta como dedicado a “pesquisa e saúde holística”, mas atua sobretudo como plataforma de divulgação de teorias negacionistas sobre vacinas, Covid-19, farmacêuticas e agências reguladoras.

Os participantes — médicos alternativos, advogados, pais de crianças com autismo e simpatizantes de teorias conspiratórias — celebraram a ascensão de Kennedy em Washington. “Durante anos fomos tratados como párias”, afirmou Brian Hooker, diretor científico da Children’s Health Defense. “Ele passou pelo vale da sombra da morte por nossas crianças.”

Apesar de pesquisas robustas demonstrarem que não existe relação entre vacinas e autismo, muitos presentes rejeitaram as conclusões da comunidade científica e acusaram a mídia e as autoridades de “silenciamento”.

Entre os discursos políticos mais inflamados, o senador republicano Rand Paul questionou: “Por que Tony Fauci não está na prisão?”, prometendo intimar o ex-diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas. Ron Johnson, também republicano, participou por vídeo.

A atriz Cheryl Hines, esposa de Kennedy, e o comediante Russell Brand participaram de um jantar de gala. O cirurgião-geral da Flórida, Joseph Ladapo, que comparou mandatos de vacinação à escravidão, discursou ao lado de Andrew Wakefield — autor do estudo fraudulento de 1998 que originou o mito da ligação entre vacinas e autismo, e que perdeu sua licença médica por isso. Ambos foram aplaudidos como heróis.

Palestrantes alertaram contra o “Estado de vigilância” e pediram que o público colocasse celulares em modo avião para evitar “radiação”. Um pastor declarou que o fechamento de igrejas durante a pandemia foi uma violação da liberdade religiosa.

No auditório, também houve demonstrações da “spellers method”, técnica para comunicação de pessoas não verbais, sem comprovação científica.

A conferência chegou a promover teorias extravagantes. A ex-banqueira Catherine Austin Fitts afirmou que Bill Gates estaria desenvolvendo uma “tatuagem elétrica” implantável para substituir celulares — embora os “smart tattoos” em estudo sejam sensores superficiais, sem inserção sob a pele.

Gavin de Becker, consultor de segurança de Kennedy, fez uma paródia da famosa frase de John F. Kennedy em Berlim: “Ich bin anti-vaxxer!” (“Eu sou antivacina!”).

A frase é uma paródia de um dos discursos mais famosos da Guerra Fria: “Ich bin ein Berliner”, dito pelo presidente John F. Kennedy, em 26 de junho de 1963, diante de uma multidão reunida em Berlim Ocidental.

Bigtree resumiu a nova postura: “Quando um termo é usado contra você por tempo suficiente, chega a hora de decidir se vai combatê-lo ou assumi-lo. E nós escolhemos assumi-lo.”

Kiko Nogueira
Diretor do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.