“Deus tenha misericórdia”: Cunha resumiu o golpe na Câmara dos desqualificados. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 17 de abril de 2016 às 23:13
Canalha
Canalha

 

A professora Marcivânia, do Amapá, definiu à perfeição o quadro na Câmara: “Acho que nunca vi tanta hipocrisia por metro quadrado nesse país”.

A valente deputada encarava a montanha de picaretas que a circundava, 99% deles com a bandeira nacional nos ombros. O impeachment passou. José Guimarães, líder do governo, avisa que agora “tem luta nas ruas e tem luta no Senado”.

O show transmitido ao vivo foi um choque por ter evidenciado que, de certa forma, estamos nas mãos de vagabundos semiletrados. E que não foi só o governo que não deu a devida atenção aos deputados — você também.

Você achou que era gente relativamente normal. Você nunca se interessou muito por saber como aquilo funciona.

Aquele bando de desqualificados, cuja ampla maioria tem a ficha mais suja que pau de galinheiro, derrubou uma presidente honesta, eleita por 54 milhões de pessoas, e jogou o Brasil num cenário nebuloso.

Muitos deles, mais preocupados com o velho toma lá dá cá, entre visitas ao Planalto e ao Palácio do Jaburu, onde fica Temer, sequer entenderam o processo. Apenas três citaram os “crimes de responsabilidade”. Agradeceram a Deus e abraçaram o golpe, mais vantajo$o.

Se eles estivessem interessados no Brasil, não dedicariam tanto tempo no microfone para mandar beijo a seus próprios filhos, netos, pais etc.

Se eles estivessem interessados em derrotar a corrupção, como bradaram, não estariam a reboque de dois picaretas.

Um deles, réu no STF, estava lá comandando o circo, feliz da vida. Eduardo Cunha não segurou a risada depois do show de um pilantra que apareceu munido de um cilindro com confetes. Wlad Costa, uma espécie de boto com cabelo implantado acaju, foi quem mais faltou às sessões em 2015.

Foi um domingo de infâmia e de história repetida como farsa. Na madrugada de 2 de abril de 1964, o senador Auro de Moura Andrade declarou vaga a presidência, sob o pretexto de que João Goulart teria deixado o país. O deputado Tancredo Neves irrompeu no plenário aos gritos de “canalha! Canalha!”.

Canalhas. Temer teve ao seu lado, conspirando abertamente, empresários, jatinhos para buscar aliados, a Globo, os evangélicos, a bancada da bala, um juiz parcial, um STF complacente e movimentos fascistoides de rua.

Mas não teve as urnas e nem terá, portanto, legitimidade. Vai lidar com o PT na oposição e com o humor dos movimentos sociais. Não fará o milagre econômico anunciado. Não vai entregar aos traidores o que prometeu.

O horizonte dessa transição aponta para Lula em 2018. Não para o deputado Tampinha, que em nome dos netos dele, Rodolfo e Rolando, votou “sim”. Não o Eduardo Bolsonaro apoplético chorando de quatro pelos militares de “meia quatro”.

Não seu pai Jair, que prestou tributo a um torturador, o coronel Brilhante Ustra. JB foi ovacionado pelas multidões de coxinhas em vigília. Parabéns ao PSDB e a quem tirou o gênio do fascismo da garrafa.

Agora: da próxima vez em que falarem a você que ninguém se importa com deputado federal, lembre-se do Tampinha, do Wlad, do Cunha, do Pauderney, do Feliciano.

“Que Deus tenha misericórdia desta nação”, falou Cunha ao anunciar seu voto, resumindo o dia. Eles também são o Brasil, goste-se ou não. Cabe a você tentar despejar essa corja ou correr para o aeroporto.

Você não pode deixar alguém como a Marcivânia sozinha no meio deles.

É interessante pensar que do meio desse lodo crescerá a flor que apareceu nas manifestações pela democracia. A política é cíclica. A rua continuará pulsando. Adelante. Ainda que nessa hora seja inevitável recordar Tancredo. Canalhas. Canalhas.